As Guerreiras Míticas da Antiguidade
Para compreender a escolha do nome, é preciso retornar à
mitologia grega. As Amazonas eram um povo mítico constituído exclusivamente por
mulheres guerreiras. Segundo as lendas, elas habitavam a região da Cítia, nas
fronteiras do mundo conhecido pelos gregos. Exímias cavaleiras e arqueiras,
viviam em uma sociedade autônoma, onde os homens eram subjugados ou ausentes.
Figuras como a rainha Hipólita, cujo cinturão foi objeto de um dos doze
trabalhos de Hércules, e Pentesileia, que lutou na Guerra de Troia, imortalizaram
a imagem dessas mulheres como símbolos de força, independência e ferocidade em
batalha.
A Expedição de Francisco de Orellana e o Relato de
Carvajal
O elo entre o mito grego e a América do Sul foi forjado em
1541. O explorador espanhol Francisco de Orellana participava de uma expedição
liderada por Gonzalo Pizarro em busca de "El Dorado", a lendária
cidade do ouro. Separado do grupo principal, Orellana e seus homens iniciaram
uma jornada épica, navegando por um rio colossal e desconhecido que fluía em
direção ao Atlântico.
O registro dessa viagem foi meticulosamente documentado pelo
frade dominicano Gaspar de Carvajal, o cronista da expedição. Em um trecho de
seu relato, datado de 24 de junho de 1542, Carvajal descreve um violento
confronto com um povo indígena. Para a surpresa dos espanhóis, mulheres lutavam
ao lado dos homens com notável destreza e bravura.
Escreveu Carvajal:
"[...] estas mulheres são muito alvas e altas, e têm o
cabelo muito comprido e entrançado e enrolado na cabeça; são muito membrudas e
andam nuas em pelo, tapadas suas vergonhas, com seus arcos e flechas nas mãos,
fazendo tanta guerra como dez índios [...]".
Impressionado pela visão dessas combatentes, que evocavam as
guerreiras da antiguidade, Orellana batizou o curso d'água de "Rio das
Amazonas".
A Consolidação de um Nome
A narrativa de Carvajal, embora questionada por alguns
historiadores — que sugerem que os "guerreiros" poderiam ser homens
de cabelos longos ou que o relato foi um embelezamento para engrandecer a
expedição —, foi decisiva. O nome "Amazonas" pegou. Mapas europeus
começaram a designar o imenso rio com essa denominação, que gradualmente se
estendeu para toda a bacia fluvial e a vasta floresta ao seu redor.
Com o tempo, a designação passou de um referencial
geográfico para um topônimo político e administrativo. Durante o período do
Brasil Império, foi criada a Província do Amazonas, desmembrada da Província do
Grão-Pará. Com a Proclamação da República, em 1889, a província foi elevada à
categoria de estado, consolidando definitivamente o nome que hoje conhecemos.
Assim, o nome Amazonas é um poderoso testemunho da era das
grandes navegações: um período em que exploradores europeus, ao se depararem
com um "Novo Mundo", interpretaram-no e nomearam-no através das
lentes de sua própria cultura e de suas lendas mais antigas.
Referências Bibliográficas
CARVAJAL, Gaspar de. Relato do novo descobrimento do
famoso Rio Grande. Tradução de Cássio de Arantes Leite. São Paulo: Ubu
Editora, 2018.
HEMMING, John. Ouro Vermelho: a conquista dos índios
brasileiros. Tradução de Carlos Eugênio Marcondes de Moura. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, 2007.
KURY, Lorelai. O rio das amazonas na descrição de Carvajal. História,
Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 18, n. 4, p. 1113-1131,
out./dez. 2011.
TODOROV, Tzvetan. A Conquista da América: a questão do
outro. Tradução de Beatriz Perrone-Moisés. 4. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2010.
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