A Mitologia Central: Amor, Morte e Ressurreição
A essência de Ísis está intrinsecamente ligada ao mito de
seu amado esposo e irmão, Osíris. Como filha de Geb (a terra) e Nut (o céu),
ela pertencia à Enéade de Heliópolis, o grupo dos nove deuses primordiais. Ísis
e Osíris governavam o Egito em uma era de ouro, trazendo a civilização, a
agricultura e a justiça ao povo.
Essa harmonia foi brutalmente interrompida pela inveja de
seu irmão, Set, o deus do caos e da desordem. Em um ato de traição, Set
assassinou Osíris, desmembrou seu corpo em quatorze pedaços e os espalhou por
todo o Egito. A dor de Ísis se transformou em uma determinação inabalável. Com
a ajuda de sua irmã, Néftis, ela percorreu incansavelmente o país, reunindo
cada fragmento do corpo de Osíris.
É neste ponto que o poder de Ísis se manifesta em sua
plenitude. Utilizando sua profunda sabedoria mágica (heka), ela realizou
o primeiro ritual de embalsamamento, reunindo os pedaços de Osíris e,
momentaneamente, o ressuscitando. Nesse breve interlúdio, ela concebeu seu
filho, Hórus. Osíris, incapaz de retornar permanentemente ao mundo dos vivos,
tornou-se o justo governante do além-vida (o Duat). Ísis, por sua vez,
escondeu-se nos pântanos do Delta do Nilo para proteger Hórus de Set, criando-o
para que um dia pudesse vingar seu pai e reivindicar o trono do Egito.
O Simbolismo e os Múltiplos Papéis de Ísis
A complexidade de Ísis reside em suas múltiplas facetas,
cada uma representando um pilar da sociedade e da espiritualidade egípcia.
- A
Mãe Divina: A imagem mais icônica de Ísis é a de mãe, amamentando o
jovem Hórus. Ela é a personificação do amor maternal, do sacrifício e da
proteção. Como protetora de seu filho contra inúmeros perigos, ela se
tornou a guardiã de todas as crianças e mães.
- A
Mestra da Magia: Ísis era conhecida como "A Grande em
Magia". Sua astúcia e conhecimento eram inigualáveis. Uma lenda
famosa conta como ela enganou o deus-sol Rá, a divindade suprema, para que
ele revelasse seu nome secreto, a fonte de todo o seu poder. Ao obter esse
conhecimento, Ísis consolidou sua posição como uma das divindades mais
poderosas.
- A
Esposa e Viúva Fiel: Sua busca incansável por Osíris a estabeleceu
como o modelo de lealdade conjugal e devoção. Ela era a principal
pranteadora nos ritos funerários, e seu lamento simbolizava o luto justo
pelos mortos, ao mesmo tempo que sua magia oferecia a esperança da vida
após a morte.
- A
Protetora Universal: Ísis era uma deusa acessível, invocada por todos,
desde o faraó até o mais humilde dos camponeses. Ela era a protetora dos
marinheiros, dos artesãos, dos pecadores e, especialmente, dos mortos,
garantindo-lhes uma passagem segura para o além-vida.
Iconografia e Representação
A representação visual de Ísis evoluiu ao longo do tempo.
Inicialmente, ela era retratada como uma mulher usando um hieróglifo em forma
de trono na cabeça, que também representava seu nome ("Aset", que
significa "Trono"). Isso a conectava diretamente ao poder faraônico,
pois o faraó era visto como o Hórus vivo, sentado no "Trono de Ísis".
Posteriormente, ela assimilou atributos da deusa Hathor,
sendo frequentemente representada com chifres de vaca envolvendo um disco solar
na cabeça. Outro símbolo crucial associado a ela é o Nó de Ísis (ou tyet),
um amuleto que se assemelha a um ankh com os braços para baixo, simbolizando
proteção, vida e bem-estar. Em algumas representações, ela possui asas, que usa
para proteger e "ventilar" o sopro da vida em Osíris.
O Legado e a Expansão do Culto
O culto a Ísis foi um dos mais duradouros da história
egípcia. Seu principal centro de adoração, o Templo de Philae, permaneceu ativo
até o século VI d.C., muito tempo depois da ascensão do Cristianismo.
Sua popularidade transcendeu as fronteiras do Egito. Durante
o período helenístico e romano, o culto a Ísis se espalhou por todo o
Mediterrâneo, com templos dedicados a ela em cidades como Roma, Pompeia e
Londres. Ela foi sincretizada com deusas gregas e romanas, como Deméter e
Afrodite, tornando-se uma divindade universal. Muitos estudiosos observam que a
iconografia de Ísis cuidando de Hórus influenciou fortemente as primeiras
representações cristãs da Virgem Maria com o Menino Jesus.
Conclusão
Ísis representa a força do feminino em suas mais diversas
manifestações: a criadora, a protetora, a curandeira e a líder. Sua história
não é apenas um mito sobre deuses, mas uma narrativa sobre a resiliência diante
da tragédia, o poder transformador do amor e a promessa de que, mesmo na mais
profunda escuridão, a magia da vida e da lealdade pode trazer a luz. Ela
permanece como um símbolo eterno de poder, sabedoria e devoção.
Referências Bibliográficas (Norma ABNT)
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Dictionary of Egyptian Gods and Goddesses. 2. ed. London: Routledge, 2005.
PINCH, Geraldine. Egyptian
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Oxford: Oxford University Press, 2002.
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WITT, R. E. Isis in the
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