Os Quipus: A Contabilidade em Nós
À primeira vista, um quipu pode parecer um simples objeto
decorativo, mas era, na verdade, um sofisticado dispositivo mnemônico e
contábil.
O que eram os Quipus?
Um quipu (do quíchua khipu, que significa
"nó") consiste em um cordão principal, do qual pendem numerosos
cordões secundários. Estes cordões eram feitos de lã de lhama ou alpaca, ou de
algodão, e podiam apresentar uma vasta gama de cores. A complexidade do sistema
residia na combinação de três elementos principais:
- Os
Nós: A quantidade e o tipo de nó indicavam valores numéricos. Os incas
utilizavam um sistema decimal (base 10). A posição de um nó no cordão
determinava sua casa decimal: os nós na parte inferior representavam as
unidades; mais acima, as dezenas; depois as centenas, e assim por diante.
- As
Cores: As cores dos cordões tinham significados simbólicos e
categorizavam a informação. Por exemplo, um cordão amarelo poderia se
referir a ouro ou milho; um vermelho, a guerreiros ou sangue; um branco, a
prata ou paz. A ausência de cor (cordão cru) poderia representar a
contagem de itens genéricos.
- A
Torção e a Posição: A direção da torção dos fios e a forma como os
cordões secundários eram amarrados ao principal também podiam carregar
informações adicionais, cujo significado exato ainda é objeto de estudo.
Seu uso principal era a contabilidade. Os
administradores incas, conhecidos como quipucamayocs ("mestres dos
quipus"), utilizavam-nos para registrar censos populacionais, impostos
arrecadados, quantidade de colheitas nos armazéns estatais (colcas),
número de animais nos rebanhos e movimentação de tropas. Há um debate acadêmico
em curso sobre se os quipus também registravam narrativas e histórias,
funcionando como uma forma de "escrita tridimensional", mas sua
função contábil é inquestionável e comprovada.
Os Chasquis: Os Velozes Mensageiros dos Andes
De nada adiantaria registrar dados se eles não pudessem ser
transmitidos rapidamente através do vasto império. É aqui que entravam os
chasquis, os corredores de elite que formavam o serviço postal inca.
Quem Eram e Como Operavam?
Os chasquis eram jovens do sexo masculino, selecionados por
sua extraordinária capacidade física, velocidade e resistência. Eles operavam
em um sistema de revezamento altamente eficiente, utilizando a monumental rede
de estradas incas, o Qhapaq Ñan.
Ao longo dessas estradas, a cada poucos quilômetros, havia
postos de descanso e revezamento chamados tambos. O sistema funcionava
da seguinte maneira:
- Um
chasqui recebia uma mensagem, que podia ser oral ou um quipu.
- Ele
corria a toda velocidade até o próximo tambo.
- Ao
se aproximar, ele soprava um pututu (uma trombeta feita de concha)
para alertar o próximo corredor de sua chegada.
- No tambo,
ele passava a mensagem verbal e/ou entregava o quipu ao chasqui que o
esperava. Este, por sua vez, partia imediatamente para o trecho seguinte.
Este sistema de revezamento contínuo permitia que as
mensagens viajassem a uma velocidade impressionante. Estima-se que uma mensagem
poderia percorrer até 240 quilômetros por dia, permitindo que o Sapa
Inca, em Cusco, recebesse notícias de regiões distantes em questão de dias, uma
façanha logística sem paralelo na época.
A Integração Perfeita e o Legado
O sistema só atingia sua genialidade máxima na integração
entre quipus e chasquis. Um oficial em uma província remota podia registrar a
colheita local em um quipu. Este quipu era então entregue a um chasqui, que
iniciava a corrida. Através da cadeia de revezamento, o dispositivo de nós
chegava a Cusco, onde um quipucamayoq da corte o decifrava, fornecendo
ao imperador dados precisos para a tomada de decisões.
Com a chegada dos conquistadores espanhóis, este sistema foi
desmantelado. Muitos quipus foram queimados, considerados objetos pagãos ou
subversivos. A lógica complexa por trás de sua criação foi em grande parte
perdida. Hoje, os quipus e a história dos chasquis permanecem como um poderoso
testemunho da sofisticação administrativa, contábil e logística da civilização
Inca.
Referências Bibliográficas
- URTON,
Gary. Signs of the Inka Khipu: Binary Coding in the Andean Knotted
Cords. Austin: University of Texas Press, 2003.
- D'ALTROY,
Terence N. The Incas. 2ª ed. Malden, MA: Wiley-Blackwell, 2015.
- HYSLOP,
John. The Inka Road System. Orlando: Academic Press, 1984.
- ASCHER,
Marcia; ASCHER, Robert. Code of the Quipu: A Study in Media,
Mathematics, and Culture. Ann Arbor: University of Michigan Press,
1981.
- ROSTWOROWSKI,
María. History of the Inca Realm. Cambridge: Cambridge University
Press, 1999.
Nenhum comentário:
Postar um comentário