Este artigo, baseado em uma breve história externa da língua
portuguesa, extraída da obra "Moderna Gramática Portuguesa" de
Evanildo Bechara (2009), convida-nos a uma viagem fascinante pelas origens e
transformações desse idioma que hoje une milhões de pessoas em diversos
continentes.
As Raízes Romanas e a Tenaz Resistência Ibérica
A saga da língua portuguesa começa com a expansão do Império
Romano. No século III a.C., o latim vulgar, trazido pelos legionários e
colonos, começou a se infiltrar na Península Ibérica. Este processo de
romanização, especialmente nas regiões oeste e noroeste, habitadas por
lusitanos e galaicos, não foi pacífico. Encontrou uma "tenaz resistência
dos habitantes originários dessas regiões" (BECHARA, 2009), mas, com o
tempo, o latim se estabeleceu como a língua dominante, dando início à ininterrupta
continuidade que culminaria no português.
O Mosaico de Influências: Bárbaros e Árabes
Após a romanização, a Península Ibérica foi palco de novas
invasões que deixaram marcas indeléveis na língua. No século V, povos
germânicos como alanos, vândalos, suevos e, posteriormente, visigodos,
estabeleceram-se na região. A influência germânica, particularmente dos
visigodos, é visível no léxico e na onomástica do português (BECHARA, 2009).
Contudo, foi a invasão árabe, em 711, que introduziu um dos
mais significativos fatores externos na formação do idioma. Apesar de sua longa
permanência e do "largo contributo na cultura e na língua – especialmente
no léxico" (BECHARA, 2009), a presença muçulmana não conseguiu apagar as
"indelével marcas de romanidade das línguas peninsulares",
consolidando o português como parte do mosaico dialetal ibérico.
O Nascimento de Portugal e a Consolidação do
Galego-Português
O longo movimento de Reconquista anti-islâmico, iniciado em
718, foi crucial para a formação das identidades linguísticas peninsulares. No
século X, esse processo já havia favorecido o surgimento de núcleos cristãos no
norte e noroeste, delineando uma divisão linguística que se aproximava da
administrativa: o galego-português no Condado da Galiza, o asturo-leonês, o
castelhano, o basco e navarro-aragonês, e o catalão (BECHARA, 2009).
Em 1095, a Província Portucalense ganhou autonomia, e em
1139, Afonso Henriques proclamou-se o primeiro rei de Portugal. O falar comum à
Galiza e ao território portucalense, o galego-português, foi então propagado
para o sul durante a Reconquista, sobrepondo-se aos dialetos moçárabes. Cidades
estratégicas como Santarém e Lisboa foram tomadas aos muçulmanos em 1147,
consolidando o território do novo reino.
A Oficialização e os Primeiros Registros da Língua
Embora o português, em sua feição originária galega, tenha
surgido entre os séculos IX e XII, seus primeiros documentos datados só
apareceram no século XIII, como o "Testamento de Afonso II" e a
"Notícia de torto" (BECHARA, 2009). Curiosamente, a denominação
"língua portuguesa" só se popularizou durante o reinado de D. João I,
da Casa de Avis, substituindo termos como "romance" ou
"linguagem". Foi D. Dinis, no entanto, quem oficializou o português
como língua veicular dos documentos administrativos, substituindo o latim e
conferindo-lhe status oficial.
A Língua "Companheira do Império": A Expansão
Marítima
Entre os séculos XV e XVI, Portugal ascendeu a um papel de
destaque no cenário mundial com as Grandes Navegações. A língua, então,
tornou-se "companheira do império", espraiando-se por "regiões
incógnitas, indo até o fim do mundo" (BECHARA, 2009). A célebre frase de
Camões, "se mais mundo houvera lá chegara" (Os Lusíadas, VII, 14),
ecoa a ambição e o alcance dessa expansão.
Essa gigantesca expansão colonial e religiosa, que, segundo
Humboldt, resultou em uma "duplicação do globo terrestre", levou o
português a Ceuta (1415), Madeira e Açores (1425-1439), Cabo Verde (1444),
Guiné (1446), Angola (1483-1486), Índia (1498), Brasil (1500), Malaca (1511),
entre muitos outros territórios, consolidando sua presença global.
A Periodização e os Tesouros Literários
A história da língua portuguesa é tradicionalmente dividida
em períodos linguísticos, embora as delimitações possam variar entre os
estudiosos. Bechara (2009) adota a seguinte proposta, incluindo a fase
galego-portuguesa:
- Português
Arcaico: Século XIII ao final do XIV (Cancioneiros medievais,
Cantigas de Santa Maria).
- Português
Arcaico Médio: Primeira metade do século XV à primeira metade do
século XVI (Crônicas de Fernão Lopes, obras de D. João I e D. Duarte).
- Português
Moderno: Segunda metade do século XVI ao final do XVII (obras
históricas de João de Barros, Diogo do Couto, e, sobretudo, Luís de
Camões, que "libertou-o de alguns arcaísmos e foi um artista
consumado e sem rival em burilar a frase portuguesa" (SA.2, 4 apud
BECHARA, 2009). Gil Vicente, com seu teatro, também é crucial para o
conhecimento da variedade coloquial da época. No século XVII, destacam-se
os Sermões do Padre Antônio Vieira e a prosa de Frei Luís de Sousa.
- Português
Contemporâneo: Século XVIII aos nossos dias. O século XVIII,
marcado pelo neoclassicismo e a reforma pombalina, viu um reflorescimento
da poesia com nomes como Bocage. O português contemporâneo, fixado no
século XVIII, chega aos séculos XIX e XX sem grandes mudanças no sistema
gramatical, mas com a garantia de um patrimônio linguístico rico,
cultivado por escritores de toda a Lusofonia.
Conclusão: O Legado Vivo da Lusofonia
A breve história externa da língua portuguesa revela um
idioma dinâmico, resiliente e profundamente interligado aos destinos de
Portugal e das nações que o adotaram. Desde suas origens latinas, passando
pelas influências germânicas e árabes, até sua expansão global e consolidação
literária, o português se firmou como um elo cultural e um patrimônio
compartilhado.
Hoje, em Portugal, Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau,
Moçambique, São Tomé e Príncipe, e em comunidades espalhadas pelo mundo, a
língua portuguesa continua a ser a "expressão da sensibilidade e da razão,
do sonho e das grandes realizações" (BECHARA, 2009). Com cerca de 200
milhões de falantes, a Lusofonia é um testemunho vivo da profecia de João de
Barros e do desejo de Antônio Ferreira, no século XVI:
"Floresça, fale, cante, ouça-se e viva A portuguesa
língua, e já onde for, Senhora vá de si, soberba e altiva!" (apud BECHARA,
2009).
Que a história e a riqueza desse idioma continuem a inspirar
e a unir as diversas culturas que o celebram.
Referências Bibliográfica
BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa.
37. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.
CÂMARA JR., J. Mattoso. História e Estrutura da
Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Padrão, 1975.
CASTRO, Ivo. Curso de História da Língua Portuguesa.
Lisboa: Universidade Aberta, 1991.
TEYSSIER, Paul. História da Língua Portuguesa.
Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1982.










