Post escrito por Dimas Barreto de Queiroz, responsável pelas
postagens relacionadas à contabilidade pública no blog Contabilidade e Métodos quantitativos.
Estava preparando um estudo de caso sobre a PEC 241 para
minha turma de contabilidade pública e resolvi compartilhar o material para que
todos tenham acesso.
Acompanhei diversas publicações nas redes sociais e
fiquei impressionado com a enorme quantidade de informação errada e incompleta
que está circulando. O lado negativo é que as pessoas têm acesso e formam suas
opiniões com base em tais informações, equivocadas.
Bom, antes de comentar sobre o conteúdo da PEC 241, é
necessário esclarecer o contexto no qual ela foi elaborada e seu objetivo.
Vamos começar pela motivação para elaboração da PEC 241.
O Resultado Primário consiste na diferença entre as
receitas e despesas primárias (basicamente, são receitas e despesas não
financeiras da organização pública). Ele consiste em um dos principais
indicadores para avaliação da política fiscal do Ente da Federação. Um
superávit primário significa que houve uma “poupança” destinada ao pagamento de
juros da dívida pública, com o objetivo de manter a dívida estável ou reduzi-la
(se possível). Um déficit primário significa que, excluídos os gastos com o
serviço da dívida, o governo gastou mais do que arrecadou.
Apresento agora a série histórica de receitas e despesas
primárias do governo federal de 2002 a 2015. Os valores foram retirados do
Demonstrativo do Resultado Primário da União (Anexo 6 do Relatório Resumido da
Execução Orçamentária – RREO) e ajustados pelo IPCA para os correntes de 2015.
São apresentados em milhares.
Inicialmente, deve-se destacar que as receitas primárias
apresentaram crescimento real ao longo do período analisado. Apenas três anos
apresentaram queda nas receitas primárias em relação ao período anterior (2011,
2014 e 2015). A análise gráfica permite observar que até o ano de 2013, o
comportamento de despesa seguiu o mesmo padrão das receitas. É natural que com
o aumento destas, os gestores utilizem os recursos públicos disponíveis para
ampliar a oferta de bens e serviços à população. Não entrarei no mérito do
tipo, quantidade e qualidade de serviço ampliado pelo governo durante esse
período. Também não entrarei no debate sobre o tamanho do Estado Brasileiro
(alguém poderia argumentar que essa situação abriria espaço para uma redução de
tributos).
Até o ano de 2013, tudo normal. O nosso problema fiscal
começou em 2013/2014. O governo adotou uma série de medidas (altamente
contestáveis) para (supostamente) estimular a economia e manter empregos. Posso
citar como exemplo: desonerações sobre folhas de pagamento de alguns setores
específicos; reduções tributárias sobre alguns produtos e determinados setores,
entre outros. A consequência foi uma queda nas receitas primárias nos anos de
2014 e 2015 (Quem tiver interesse pode consultar os artigos que tratam de
renúncia de receita na Lei de Responsabilidade Fiscal). Bom, esperava-se que o
governo controlasse melhor as despesas em função da queda de arrecadação. Mas
esse comportamento não foi observado. Percebe-se que as despesas continuaram
aumentando em termos reais nos anos de 2014 e 2015. A consequência foi a
ocorrência de déficit primário pela primeira vez desde a implantação do plano
real, conforme revelam as informações abaixo:
Percebe-se que os anos de 2014 e 2015 foram deficitários.
Quem conhece a administração pública sabe como é difícil reverter esse déficit.
Prova disso é que a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2016 (Lei 13.242)
prevê um déficit primário de até 170 bilhões e a de 2017 um déficit fiscal de
até 139 bilhões.
Esse déficit fiscal duradouro é um problema econômico
gravíssimo. Na verdade, é uma das principais motivações para a crise que o país
está passando. Entre os diversos problemas econômicos, pode-se citar a pressão
inflacionária, queda de investimentos, aumento do desemprego, queda na
confiança de consumidores e investidores, aumento da dívida pública, entre
outros fatores. Em relação a dívida pública, essa apresentou um crescimento
nunca antes visto na história desse país. De acordo com o Relatório Anual da
Dívida Pública de 2015, ela apresentou o seguinte comportamento ao longo dos
últimos anos (os valores representam percentuais do PIB):
2011
|
2012
|
2013
|
2014
|
2015
|
51,30
|
53,80
|
51,70
|
57,20
|
65,10
|
Observa-se que de 2013 para 2015, a dívida pública passou
de 51,70% do PIB para 65,10% (crescimento de 13,40%). Atualmente essa relação
está em torno dos 70% e a perspectiva de curto prazo é aumentar ainda mais essa
relação. Em resumo, isso é muito prejudicial para o país. É preciso reverter a
situação de déficit fiscal e estancar o crescimento da dívida pública. Como
qualquer organização privada (ou pessoa física também), essa situação é
inviável no médio e longo prazo.
Baseado nesse contexto, a PEC 241 foi elaborada. Seu
objetivo é bem simples: reverter a ocorrência do déficit fiscal e estabilizar o
endividamento público. Esse fator deve reverter os pontos negativos descritos
anteriormente e possibilitar um crescimento sustentável no Brasil. Como alcançar
esse objetivo???
A PEC 241, se aprovada, introduzirá um “Novo Regime
Fiscal”. Como todos já devem ter lido, ela limita o crescimento das despesas
primárias ao principal indicador de inflação do Brasil (Índices Nacional de
Preços ao Consumidor Amplo – IPCA) do ano anterior.
Beleza. Mas como o governo conseguirá reverter o déficit
fiscal por meio dessa PEC? Em situações de crescimento do PIB, é normal que a
receita primária apresente crescimento real, ou seja, acima da inflação (como
vocês puderam observar no primeiro quadro dessa análise). Como as despesas
estarão limitadas à inflação, espera-se que as receitas cresçam de forma mais
significativa que as despesas (em função da limitação) e gere superávit
primário.
Dimas, tem solução melhor? Sem dúvidas. Pesquisas (não
vou citar porque a maioria delas aponta no mesmo sentido, é só realizar uma
consulta rápida) sobre eficiência na aplicação dos recursos públicos apontam
que Municípios, Estados e União são ineficientes na aplicação dos recursos
públicos. Em outras palavras, daria para oferecer bens e serviços públicos de
melhor qualidade com o atual nível de gastos. Como essa realidade não será
mudada no curto prazo, é provável que a PEC cause impacto em alguns tipos de
serviços públicos em função da limitação de recursos financeiros.
Dimas, tem solução pior? Sem dúvidas. Combater esse
déficit por meio do aumento de tributos é a pior decisão possível.
Em resumo, essa PEC é uma medida dura que busca reverter
decisões ruins do passado. Confesso que não vi pessoas reclamando quando o
governo aplicou mal os recursos da sociedade, quando construiu Estádios para
Copa do Mundo em Cidades sem tradição esportiva (só para citar um exemplo mais
visível). Por isso é importante escolher bem nossos governantes.
Sem dúvidas, repito que a PEC é uma medida dura. Se
alguém tiver outra solução para o problema fiscal, fique à vontade para
escrever nos comentários. Podemos fazer um bom debate.
Recomendo cuidado com notícias, comentários, sites
extremamente parciais e que apresentem informações incompletas. Sobre a
educação, por exemplo, as transferências constitucionais para Estados e
Municípios ofertarem educação básica e saúde (entre outros serviços) não estão
incluídas na PEC. Logo, continuarão sendo realizadas com base nas receitas
arrecadadas. Além disso, a PEC estabelece limites para o crescimento da despesa
global. O governo pode remanejar recursos de áreas não essenciais para setores
como educação e saúde, assegurando um crescimento acima da inflação nessas duas
áreas.
Outro ponto importante é que a PEC foi elaborada para o
prazo de 20 anos. Porém, uma vez revertido o problema fiscal, o presidente da
república poderá propor ao Congresso Nacional, por meio de projeto de lei,
alteração no método de correção dos limites estabelecidos pela PEC. Esse
projeto poderá vigorar a partir do décimo exercício de vigência da PEC 241.
Fonte: http://contabilidademq.blogspot.com.br/2016/10/pec-241-motivacoes-e-objetivo.html
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