A invenção da imprensa trouxe facilidades e dificuldades
ao conhecimento objetivo dos fatos históricos. Com ela, multiplicou-se tanto o
acesso à informação quanto à desinformação. Desde então, a mentira, como
corrupção da verdade, segundo diferentes níveis de perversão e sofisticação,
parasita os meios de comunicação, em maior ou menor grau.
Acabo de ler pequeno ensaio sobre "O 18 de
Brumário de Luís Bonaparte", livro escrito por Karl Marx em 1851/52,
considerado por muitos como obra prima da moderna historiografia. Para analisar
o golpe perpetrado naqueles dias por Luís Napoleão coroando-se rei da França
(1851), Marx introduziu o conceito que vinha desenvolvendo sobre a luta de
classes como motor da história. O jovem cujo ensaio li, não poupou elogios à precisão
do critério concebido por Marx, convicto de que graças a ele, e a partir dele,
se tornara possível fazer uma ciência da História. Vejam a encrenca em que se
meteu o conhecimento a respeito do que já aconteceu. E do que está acontecendo.
Sempre haverá um relato que serve e outro que não serve.
À luz dessa convicção, fica fácil entender como a
natural curiosidade dos seres humanos é substituída, em tantos intelectuais,
por uma arrogância rebelde. Eles não apenas sabem o passado. Eles conhecem o
futuro e - até mesmo! - o futuro do pretérito, ou seja, sabem como o futuro
deveria ter sido caso os fatos se desenrolassem do modo cientificamente
adequado. Se você traz no bolso do paletó a chave de leitura dos
acontecimentos, essa chave se torna mais importante do que eles mesmos e sua
atividade para conhecer a real natureza de quaisquer evento se resume a
compatibilizá-los com sua chavezinha.
Na prática da sala de aula, se a luta de classes é o
melhor e mais turbinado motor da história, o relato histórico, independentemente
dos fatos em si, é uma forma de intervir na história que se conta. Daí a
disputa pela narrativa e o assédio aos que a produzem.
Para exemplificar. Quando um professor de História diz
que Michel Temer é um presidente sem voto, ilegítimo, ele está ocultando o fato
de que Dilma jamais seria eleita sem os votos e sem o trabalho político do PMDB
dados à chapa em virtude da presença de Michel Temer. E está ocultando, também,
que a República já foi presidida por vários vices, a saber: Floriano Peixoto
(vice de Deodoro da Fonseca), Nilo Peçanha (vice de Afonso Pena), Delfim
Moreira (vice de Rodrigues Alves), Café Filho (vice de Getúlio Vargas), João
Goulart (vice de Jânio Quadros), José Sarney (vice de Tancredo Neves) e Itamar
Franco (vice de Fernando Collor). Curiosamente, o único golpe envolvendo um
vice-presidente ocorreu para impedir sua posse. Foi o que aconteceu quando, em
virtude da enfermidade que acometera o general Costa e Silva, foi negado a
Pedro Aleixo, por ser civil, o direito legítimo de assumir a presidência.
A Executiva Nacional do PT, poucos dias após as eleições
do dia 2 de outubro passado, emitiu nota oficial contendo elementos para
extravagantes relatos históricos. Ali se leem, por exemplo, coisas assim:
"... a ofensiva desferida contra o PT pela mídia monopolizada e os
aparatos da classe dominante, desde a Ação Penal 470..."; "...a
criminalização do PT e a ação corrosiva da mídia monopolizada...";
"... a escalada antipetista da Operação Lava Jato, que nos trinta dias
anteriores às eleições desencadeou ofensivas fraudulentas...", "...as
medidas então adotadas serviram de pretexto para que a classe dominante e os
partidos conservadores impusessem...". E por aí vai.
Não estranhe. Na concepção que inspira o mencionado
documento, isso é fazer História. O PT nunca foi tão marxista.
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