Existem dois instintos subjacentes a toda a ação
humana: o instinto da criação e da realização; e o instinto do medo e da
insegurança.
Quando o instinto de realização e
criação é dominante no indivíduo, a liberdade se torna para ele o valor mais
precioso. Quando, pelo contrário, a segurança é o instinto dominante, a
inércia ou a estabilidade surgem como o valor mais apreciado.
No campo político — isto é, em toda
essa área social na qual as pessoas procuram determinar regras e procedimentos
comuns, aos quais todos os elementos de uma sociedade devem estar sujeitos —,
aqueles dois valores são materializados em duas ideologias ou princípios de
valores: o liberalismo e o intervencionismo.
O liberalismo se assenta
essencialmente no primeiro daqueles valores: a liberdade. Já o
intervencionismo se assenta inteiramente no segundo, a inércia.
Por sua própria definição, o
liberalismo tem um caráter muito menos político do que o intervencionismo: o
liberalismo simplesmente recorre ao essencial princípio da ação humana —
inerente a cada indivíduo — para efetuar realizações e criações.
O liberalismo representa a ação
positiva. E ele requer apenas única ação negativa: os indivíduos não
podem agredir e coagir terceiros inocentes. Não se pode agredir a
integridade física e a propriedade (inclusive a renda) de outros indivíduos. É
apenas este aspeto, de um modo geral, que é para o liberal o objeto de ação
política.
Já o intervencionismo
se assenta em um conjunto de valores essencialmente negativos. Sob o
intervencionismo, estabilidade e segurança financeiras são preferidas em
detrimento da realização pessoal. Consequentemente, a inércia e o medo
adquirem total proeminência ao passo que a liberdade pessoal vai se apequenando
continuamente.
No intervencionismo, o campo de
ação política estende-se indefinidamente, já que deve ser garantida a priori
(em teoria), a todos os indivíduos, a tal segurança financeira. Como o ser
humano, em liberdade, é a maior fonte possível de criação na natureza, e esta
criação implica uma alteração contínua de padrões sociais e econômicos (aquele
que sabe criar mais valor ficará financeiramente mais rico, e o que não souber
ficará estagnado), o intervencionismo tem de recorrer a vários tipos de
repressão para coibir essa "desestabilizadora" liberdade criativa do
homem. Os tipos mais comuns de repressão são regulações burocráticas,
legislações restritivas e impostos progressivos.
Da regulação e da legislação surge a
coibição da realização e da criação; e dos impostos surgem a espoliação e a
redução do incentivo material àquela criação. Destes três modos de coerção
surge uma sociedade cujo centro principal de ação é a ação política — a ação
que consiste em A decidir o que B pode ou deve fazer.
O intervencionismo é por
isso o ecossistema natural da política, a sua justificação maior. Em uma
sociedade em que as ideias socialistas prevalecem (clique aqui para
entender a definição moderna de 'socialismo'), a instituição central do corpo
político, o estado, cresce e prospera, pois sua ação é legitimada pelos valores
essenciais da ideologia predominante. A ação política torna-se assim um dos
principais campos da ação humana. Compensa mais trabalhar para
o estado do que trabalhar para o consumidor. O estado é
utilizado para restringir a
concorrência nos negócios privados (concorrência entre
empresas, profissões e setores) e para obter rendimentos que seriam ilícitos em
uma sociedade verdadeiramente livre.
A legislação, a regulação e o nível
de impostos não têm limites — basta que sejam justificados com o chavão de
"garantir o bem comum". Todos os setores são "regulados"
pelo estado, desde as universidades privadas (cujos
cursos estão sujeitos à aprovação do Ministério da Educação e cujos currículos
são integralmente definidos por este) aos serviços de táxi, passando
pela proibição do
comércio funcionar aos domingos e culminando na concessão de poder a
uma ordem profissional para regular os padrões de qualidade dos seus
profissionais quando o objetivo último é travar a concorrência dos jovens
licenciados. De um extremo ao outro, a livre concorrência é proibida por
agências reguladoras em todos os grandes setores da economia, e
sempre em prol dos grandes
empresários já estabelecidos neste setor.
Enfim, uma lista interminável que,
com o argumento de regular, qualificar e legislar, tem como objetivo último a
estabilidade e a segurança de organizações e grupos de pessoas em detrimento de
outras.
O problema insolúvel
do intervencionismo é que, para garantir a estabilidade de uns,
promove a instabilidade e a destruição de outros. Em qualquer um daqueles
exemplos é possível ver que, de um modo arbitrário, uns ganham e outros perdem.
Em regra, o fator determinante para se ganhar é fazer parte
do estado ou então estar próximo dele, por meio de amigos no alto
escalão ou tendo influência ($) junto ao mesmo.
Mas, a partir de um certo ponto,
todos os cidadãos são presas da própria figura do estado, mesmo os que
vivem essencialmente dele e para ele. Quando o estado se instala em
todo o seu esplendor intrusivo e tentacular, torna-se uma máquina com vida
própria: os governos passam, os políticos passam, os altos funcionários e os
sindicatos passam, mas as regulamentações e as legislações ficam, e a
instituição estatal torna-se sempre um pouco maior a cada novo ciclo de
ocupantes.
Cada mortal que passa pela estrutura
burocrática do estado gosta de acrescentar uma legislação, uma regulação, uma
secretária, repartição ou agência, um cargo, um imposto ou uma taxa.
Pessoas que fariam um grande bem a
todos caso se dedicassem a criar e a produzir em seu benefício e do próximo,
dedicam-se antes ao ofício político. Funcionários públicos que poderiam
ter uma carreira mais válida do ponto de vista de realização pessoal e mais
legítima do ponto de vista do bem social trocam a incerteza "do setor
privado" pela segurança e comodismo do estado. Atividades que
prosperariam mais se deixadas à livre concorrência já não são imagináveis fora
do estado pelo comum dos cidadãos.
O estado é detestado porque
intrusivo e autoritário, mas ao mesmo tempo é santificado,
pois faz o que "os privados" não fariam — o cidadão comum já não
consegue conceber que a educação, a saúde e a segurança social não sejam
providos essencialmente pelo estado.
Ele acredita que, se não fosse
o estado a ajudar os pobres, os desempregados e os aposentados, estes
estariam todos na sarjeta (isto é, metade da população). Ele não consegue
conceber que uma sociedade livre tem os seus próprios mecanismos naturais de
solidariedade e que estes são pouco visíveis agora precisamente porque
o estado monopolizou a assistência social absorvendo os recursos da
sociedade civil que seriam destinados a esses fins. "Por que farei
caridade se já pago impostos para que o estado faça a caridade por mim?"
O cidadão comum sente-se intimidado
quando os intelectuais de esquerda o lembram dos trabalhadores darevolução industrial e
das crianças que
trabalhavam 10 horas por dia — mas não se lembra que esses
trabalhadores foram para a cidade porque ganhavam aí muito
mais do que no campo. E se na cidade e nas fábricas escuras e sujas as
condições ainda estavam longe do ideal (estava-se no começo), esses heróis do
proletariado morriam de
inanição nos campos idílicos fantasiados pela esquerda onde as
crianças trabalhavam igualmente, mas morriam muito mais. É como a China
"comunista neoliberal": os trabalhadores chineses ganham uma miséria
quando comparados aos ocidentais, mas ganham 10 vezes mais do que no campo, e
ainda mandam dinheiro para lá.
Apesar de todas as "ajudas"
do estado serem sempre pagas pelo cidadão comum, ele de alguma forma
acha que está se beneficiando dele; e se não estiver agora poderá vir a beneficiar
depois. A quantidade de impostos que ele paga não é muito sentida, pois os
impostos indiretos já são retidos pelas lojas, o imposto de renda e o INSS são
retidos na fonte, e toda a cornucópia de outros impostos sobre o consumo já
ficam na fatura — mais da metade
do que ele paga na gasolina são impostos, mas nem se nota.
Os políticos são considerados
moralmente corruptos, o atual modelo democrático-partidário está moralmente
falido e financeiramente também (mas pode-se aumentar sempre os
impostos), e o próprio estado já não é considerado pessoa de bem
pela maior parte das pessoas.
Mas enquanto essa ideologia
intervencionista — que nada mais é do que um desdobramento da ideologia socialista —,
predominar na mente dos cidadãos, não se pode esperar outra coisa senão o
progressivo crescimento desse estado, até ao ponto de putrefação e ruptura
total.
Finte: www.mises.org.br
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