Neste 29 de agosto, o país verá em ação a Dilma que diz
frases sem pé nem cabeça até quando lê e a Dilma que não diz coisa com coisa
quando desanda no improviso
A pior oradora de todos os tempos protagoniza derrapagens espetaculares até
quando está lendo discursos encomendados a quem consegue juntar sujeito e
predicado. Foi assim em dezembro de 2009, durante a Conferência do Clima
promovida em Copenhague, quando a chefe da Casa Civil do governo Lula
surpreendeu o mundo com a notícia assombrosa: "O meio ambiente é, sem
dúvida, uma ameaça ao desenvolvimento sustentável", recitou Dilma Rousseff
sem tirar os olhos do papel. E foi em frente. Como não se corrigiu, não se
explicou e nem pediu desculpas, continua valendo o que disse.
Em agosto de 2013, numa visita a Campinas, Dilma começou a ler à tarde o
discurso escrito para ser lido à noite. Ela contava a sofrida saga de "uma
mulher que estudou até a quinta série do curso fundamental porque vivia na roça
com mais nove irmãos e não teve condições de continuá estudano" quando se
deu conta de que aquilo era para mais tarde. "Mas essa mulher eu vou tratá
dela no próximo… na próxima cerimônia que eu vou participá aqui em Campinas que
é a formação do Bolsa Família", informou. Dado o aviso, desandou a
explicar por que "a casa própia é muito importante". Isso mesmo: "própia".
Se a Dilma dos discursos escritos é uma oradora de alta periculosidade, a Dilma
dos palavrórios de improviso é uma selvagem serial killer da retórica. Neste 29
de agosto, a transmissão pela TV Senado do depoimento da presidente agonizante
permitirá que milhões de brasileiros acompanhem ao vivo a primeira e última
apresentação conjunta dessas duas Dilmas. A que diz frases sem pé nem cabeça
até quando lê vai caprichar num falatório fantasiado de Auto da Injustiçada. A
que não diz coisa com coisa quando improvisa vai responder a perguntas dos
senadores.
Dilma garante que foi ela quem resolveu defender-se pessoalmente no Senado.
Como nenhum dos áulicos que seguem frequentando o palácio assombrado ousou
apresentar-lhe os perigos da ideia de jerico, a performance da segunda-feira
vai atestar que o impeachment livrará o Brasil, simultaneamente, de uma
recordista mundial de incompetência, de uma mentirosa compulsiva e de uma
torturadora da língua portuguesa.
Ela seria poupada desse vexame derradeiro se a missão impossível fosse
repassada aos senadores que permanecem a bordo da embarcação condenada cujo
piloto é José Eduardo Cardozo. O texto que inunda com lágrimas de esguicho os
golpistas cruéis, por exemplo, deveria ser berrado por Lindbergh Farias, uma
gritaria a serviço da pouca vergonha. As réplicas aos senadores favoráveis ao
impeachment ficariam por conta dos integrantes da tropa, devidamente municiados
com vídeos que registram alguns dos melhores piores momentos da chefe.
Gleisi Hoffmann cuidaria de mostrar que a presidente reincidiu em pedaladas
criminosas por ter compreendido que a Lei de Responsabilidade Fiscal é
mesquinharia de avarento shakespeariano diante da grandiosidade de um Minha
Casa, Minha Vida. Vale tudo para impedir que tão esplêndido programa definhe
por falta de verbas — até raspar o cofre do Banco do Brasil. Quem discordar de
Gleisi será calado pela exibição do vídeo em que Dilma ensina que uma casa é
muito mais que uma casa: "Porque casa é primeiro sinônimo de segurança.
Casa, depois, é sinônimo de uma outra coisa muito importante. Um lugar para a
gente construir laços afetivos. É ali na casa que o pai e a mãe amam as
crianças, dão instruções para as crianças, educam as crianças… e os jovens. É
ali na casa também que cumeça… né? Os encontros, os namoros, os noivados, os
casamentos".
Em seguida, Vanessa Grazziotin explicaria que a gastança ilegal com obras de
infraestrutura só é coisa de meliante juramentado aos olhos de gente que não
sabe direito, por exemplo, para que serve uma ponte. É só ouvir o que a
presidente diz no vídeo: "Por que o que que é uma ponte? Uma ponte é
geralmente, e é algo que nós devemos nos inspirar, porque uma ponte é um
símbolo muito forte. Pensem comigo, uma ponte ela une, uma ponte fortalece, uma
ponte junta energia, uma ponte permite que você supere obstáculos".
Kátia Abreu provaria que só uma estadista dotada de um sexto sentido pode
enxergar as coisas que só Dilma vê — quem mais seria capaz de ver um cachorro
oculto por trás de cada criança? No desfecho da contra-ofensiva, Humberto Costa
apresentaria o vídeo em que a Mãe do Brasil Maravilha, numa única frase, saúda
a mandioca, exalta o milho e anuncia a descoberta da mulher sapiens.
O show do quinteto de patetas faria mais que abreviar em algumas horas o
desfecho da chanchada do impeachment. Também obrigaria a nação a apressar a
caça a respostas exigidas por duas perguntas perturbadoras. Como pôde o Brasil
eleger e reeleger um poste fabricado pelo farsante que oficializou a celebração
da ignorância? E como conseguiu o país sobreviver a figuras assim?
-:/veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/direto-ao-ponto/o-adeus-da-feroz-torturadora-da-verdade-e-do-idioma/
- Augusto Nunes - 28/08/2016 - foto: Dilma Rousseff na posse à presidência
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