A
ministra Maria do Rosário, da Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da
República, entrou na mira do Ministério Público Federal pela inércia da pasta
na identificação das 1.049 ossadas retiradas do Cemitério de Perus, em 1990.
“No início achava que era problema de estrutura da
pasta. Depois, que era incompetência. Agora se vê que é uma negligência
ostensiva, mais que um faz de conta”, acusa a procuradora Eugênia Augusta
Gonzaga, preocupada com a eterna angústia de familiares que há décadas buscam
informações sobre os desaparecidos políticos.
Entre as 1.049 ossadas retiradas em 1990 do Cemitério
de Perus, em São Paulo, suspeita-se que estejam os restos mortais de cerca de
20 militantes da luta armada urbana desaparecidos no início dos anos de 1970.
Eugênia acompanha há dez anos as idas e vindas da
história sem fim em que se transformou a questão dos desaparecidos e afirma,
sem dúvidas, que os órgãos públicos responsáveis pela identificação representam
hoje consideráveis obstáculos para a identificação.
“É uma imobilidade inacreditável”, diz ela, que já
enxerga na “omissão” da ministra e do presidente da Comissão Especial de Mortos
e Desaparecidos Políticos (CEMDP), Marco Antônio Barbosa, indícios para
abertura de ação por improbidade administrativa.
O conflito vem se desenrolando na 6ª Vara Cível
Federal de São Paulo, onde tramita uma ação por omissão em que a União e os
peritos que abandonaram as investigações são tratados como réus. São eles,
Fortunato Badan Palhares, Daniel Munhoz, Vania Prado, Celso Perioli e Norma
Bonaccorso, que integraram um grupo designado pela Unicamp, USP e Universidade
Federal de Minas Gerais.
O governo primeiro tentou anular o processo sob o
argumento de que as investigações vinham sendo feitas através de convênio entre
SDH e Polícia Federal. Depois, tentou tornar o processo sigiloso. O juiz do
caso, João Batista Gonçalves, rechaçou os dois argumentos e ainda determinou
que as audiências em que se tomará o depoimento das testemunhas, a partir de
agora, sejam públicas e em auditório que permita a presença de familiares e de
jornalistas.
“Até agora nada foi feito e nenhum recurso foi
destinado pelo governo para identificação”, diz o procurador Pedro Machado,
que, com a promoção de Eugênia para a segunda instância do MPF, passou a atuar
no caso. Bancados por uma entidade representante dos desaparecidos, peritos
argentinos fizeram, há três meses, uma análise preliminar das ossadas, mas o
trabalho teve de ser interrompido por falta de recursos.
Em vez de dar continuidade, a SDH optou por criar
um novo órgão para cuidar do assunto, o Grupo de Arqueologia e Antropologia
Forense (GAAF). Um dos itens da portaria assinada por Maria do Rosário
determina que os peritos, selecionados no serviço público, não serão
remunerados.
O procurador Pedro Machado achou curioso. “A
triagem e identificação é um trabalho de fôlego. Como alguém vai trabalhar de
graça?”, questiona. Machado acha que, depois de 22 anos sem se mexer, a SDH,
aproveitando o embalo do translado dos restos do ex-presidente João Goulart,
criou o GAAF como resposta a ação em que a União também ré. Ele acha que na
melhor das hipóteses a identificação ficaria relegada a um segundo plano.
As 1049 ossadas encontram-se atualmente no
Cemitério do Araçá e, por pouco, não se tornaram alvo de atos de vandalismo
ocorridos no feriado de Finados, supostamente em retaliação a uma homenagem aos
desaparecidos promovida por familiares. O MPF agora pediu à justiça força
policial para proteger o local. Segundo os peritos argentinos, as ossadas estão
guardadas de forma inadequada, sem proteção contra fungos e se deteriorando, o
que prejudicaria futura identificação por DNA.
O MPF também critica a falta de ação do presidente
da CEMP, Marco Antônio Barbosa, e chegou a pedir sua exoneração. Mas a ministra
o bancou, sem, no entanto, dotar a comissão de recursos. Pela proposta do MPF,
o governo deveria destinar R$ 3 milhões e, no final da sentença, deveria pagar
multa de R$ 10 mil por dia se não executar a identificação que poderia definir
quais restos seriam compatíveis com o perfil os militantes desaparecidos.
A decisão sobre o processo deve sair em breve. Se
União e os peritos forem condenados, o MPF pode entrar com ação por improbidade
administrativa.
A procuradora Eugênia Gonzaga acha que os
responsáveis pessoais pela negligência são, pela ordem, a ministra Maria do
Rosário e o advogado Marco Antônio Barbosa, titular de uma comissão criada em
1995, mas que até agora tem apresentado resultados pífios na mais importante
demanda deixada pelos anos de chumbo, que é localizar e identificar os
desaparecidos políticos.
“Muitas mães estão morrendo sem realizar o sonho de
enterrar dignamente os filhos”, diz Eugênia. Ela achava que o tempo decorrido
com o fim do regime militar extinto em 1985 e com a presidente Dilma Rousseff,
ex-militante de esquerda, no comando do país, a questão pudesse ser resolvida.
Mas já não alimenta ilusões: “O governo não quer mexer com esse tema”, afirma.
Outro lado
Gilles Gomes, secretário executivo da CEMDP afirma
que o governo e a ministra vêm conduzindo com dedicação e cautela o processo de
identificação e considera as críticas são absurdas. Embora as informações
estejam em sigilo, Gilles informou que por conta de convênio com a SDH, a
Polícia Federal deve anunciar, até o final do ano, o resultado das análises em
quatro das 1.049 ossadas retiradas do Cemitério de Perus, em 1990.
Há evidências, segundo ele, apontando que os restos
podem ser dos guerrilheiros desaparecidos Dimas Casemiro, Hiroki Tarigori,
Ailton Mortati e Luís Hirata e Horoaki Tarigoe, mas é necessário esgotar todos
os recursos periciais antropológicos e laboratoriais para dar uma resposta às
famílias.
O secretário executivo da SDH afirma que a criação
do GAAF, uma reivindicação do próprio MPF, vai permitir a investigação sobre as
1049 e de todos os casos dos desaparecidos. Os métodos e protocolos de
investigação serão definidos na próxima semana numa reunião de trabalho entre
os integrantes do grupo e a Cruz Vermelha.
Gilles Gomes lembra que a SDH vem equipando a PF e
tomando todas as medidas para localizar e identifica desaparecidos,
procedimentos que convergem, segundo ele, com o propósito da Comissão Nacional
da Verdade.
Fonte: Ultimo Segundo IG
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