O PT divulgou, na tarde desta quarta-feira (14), uma nota
criticando a "partidarização" do Judiciário e acusando o STF (Supremo
Tribunal Federal) de ter feito um julgamento "político" do escândalo
do mensalão.
O texto foi elaborado após a
definição das penas do ex-ministro José Dirceu, do ex-presidente do partido
José Genoino e do ex-tesoureiro Delúbio Soares, ocorrida na última
segunda-feira (12).
Na nota, a Executiva Nacional do PT acusa o STF de ter adotado
"dois pesos e duas medidas" ao negar o desemembramento da ação penal
do mensalão e julgar na corte mesmo os réus que não têm foro privilegiado.
Afirma que o tribunal agiu em sentido contrário no caso do mensalão tucano de
Minas Gerais.
O partido afirmou que a
condenação do ex-ministro José Dirceu com base na teoria do domínio do fato
--segundo a qual o autor não é só quem executa o crime, mas quem tem o poder de
decidir sua realização e faz o planejamento para que ele aconteça-- cria um
"precedente perigoso: o de alguém ser condenado pelo que é, e não pelo que
teria feito".
Dirceu é o único dos réus
citados nominalmente na nota, e apenas nesse trecho.
O julgamento foi classificado
como "nitidamente político" pelo PT, que atacou a coincidência com o
calendário eleitoral e a adoção do domínio do fato para "compensar a
escassez de provas".
"Embora realizado nos
marcos do Estado Democrático de Direito sob o qual vivemos, o julgamento,
nitidamente político, desrespeitou garantias constitucionais para retratar
processos de corrupção à revelia de provas, condenar os réus e tentar
criminalizar o PT", diz o texto.
Leia a íntegra da nota divulgada pelo PT:
PT E O JULGAMENTO DA
AÇÃO PENAL 470
O PT, amparado no
princípio da liberdade de expressão, critica e torna pública sua discordância
da decisão do Supremo Tribunal Federal que, no julgamento da Ação Penal 470,
condenou e imputou penas desproporcionais a alguns de seus filiados.
1. O STF não garantiu o
amplo direito de defesa
O STF negou aos réus que
não tinham direito ao foro especial a possibilidade de recorrer a instâncias
inferiores da Justiça. Suprimiu-lhes, portanto, a plenitude do direito de
defesa, que é um direito fundamental da cidadania internacionalmente
consagrado.
A Constituição
estabelece, no artigo 102, que apenas o presidente, o vice-presidente da
República, os membros do Congresso Nacional, os próprios ministros do STF e o
Procurador Geral da República podem ser processados e julgados exclusivamente
pela Suprema Corte. E, também, nas infrações penais comuns e nos crimes de
responsabilidade, os ministros de Estado, os comandantes das três Armas, os
membros dos Tribunais superiores, do Tribunal de Contas da União e os chefes de
missão diplomática em caráter permanente.
Foi por esta razão que o
ex-ministro Marcio Thomaz Bastos, logo no início do julgamento, pediu o
desmembramento do processo. O que foi negado pelo STF, muito embora tenha
decidido em sentido contrário no caso do "mensalão do PSDB" de Minas
Gerais.
Ou seja: dois pesos,
duas medidas; situações idênticas tratadas desigualmente.
Vale lembrar,
finalmente, que em quatro ocasiões recentes, o STF votou pelo desmembramento de
processos, para que pessoas sem foro privilegiado fossem julgadas pela primeira
instância - todas elas posteriores à decisão de julgar a Ação Penal 470 de uma
só vez.
Por isso mesmo, o PT
considera legítimo e coerente, do ponto de vista legal, que os réus agora
condenados pelo STF recorram a todos os meios jurídicos para se defenderem.
2. O STF deu valor de
prova a indícios
Parte do STF decidiu
pelas condenações, mesmo não havendo provas no processo. O julgamento não foi
isento, de acordo com os autos e à luz das provas. Ao contrário, foi
influenciado por um discurso paralelo e desenvolveu-se de forma "pouco
ortodoxa" (segundo as palavras de um ministro do STF). Houve
flexibilização do uso de provas, transferência do ônus da prova aos réus,
presunções, ilações, deduções, inferências e a transformação de indícios em
provas.
À falta de elementos
objetivos na denúncia, deduções, ilações e conjecturas preencheram as lacunas
probatórias - fato grave sobretudo quando se trata de ação penal, que pode
condenar pessoas à privação de liberdade. Como se sabe, indícios apontam
simplesmente possibilidades, nunca certezas capazes de fundamentar o livre
convencimento motivado do julgador. Indícios nada mais são que sugestões, nunca
evidências ou provas cabais.
Cabe à acusação
apresentar, para se desincumbir de seu ônus processual, provas do que alega e,
assim, obter a condenação de quem quer que seja. No caso em questão, imputou-se
aos réus a obrigação de provar sua inocência ou comprovar álibis em sua
defesa-papel que competiria ao acusador. A Suprema Corte inverteu, portanto, o
ônus da prova.
3. O domínio funcional
do fato não dispensa provas
O STF deu estatuto legal
a uma teoria nascida na Alemanha nazista, em 1939, atualizada em 1963 em plena
Guerra Fria e considerada superada por diversos juristas. Segundo esta
doutrina, considera-se autor não apenas quem executa um crime, mas quem tem ou
poderia ter, devido a sua função, capacidade de decisão sobre sua realização.
Isto é, a improbabilidade de desconhecimento do crime seria suficiente para a
condenação.
Ao lançarem mão da teoria
do domínio funcional do fato, os ministros inferiram que o ex-ministro José
Dirceu, pela posição de influência que ocupava, poderia ser condenado, mesmo
sem provarem que participou diretamente dos fatos apontados como crimes. Ou
que, tendo conhecimento deles, não agiu (ou omitiu-se) para evitar que se
consumassem. Expressão-síntese da doutrina foi verbalizada pelo presidente do
STF, quando indagou não se o réu tinha conhecimento dos fatos, mas se o réu
"tinha como não saber"...
Ao admitir o ato de ofício
presumido e adotar a teoria do direito do fato como responsabilidade objetiva,
o STF cria um precedente perigoso: o de alguém ser condenado pelo que é, e não
pelo que teria feito.
Trata-se de uma
interpretação da lei moldada unicamente para atender a conveniência de condenar
pessoas específicas e, indiretamente, atingir o partido a que estão vinculadas.
4. O risco da
insegurança jurídica
As decisões do STF, em
muitos pontos, prenunciam o fim do garantismo, o rebaixamento do direito de
defesa, do avanço da noção de presunção de culpa em vez de inocência. E, ao
inovar que a lavagem de dinheiro independe de crime antecedente, bem como ao
concluir que houve compra de votos de parlamentares, o STF instaurou um clima
de insegurança jurídica no País.
Pairam dúvidas se o novo
paradigma se repetirá em outros julgamentos, ou, ainda, se os juízes de
primeira instância e os tribunais seguirão a mesma trilha da Suprema Corte.
Doravante, juízes
inescrupulosos, ou vinculados a interesses de qualquer espécie nas comarcas em
que atuam poderão valer-se de provas indiciárias ou da teoria do domínio do
fato para condenar desafetos ou inimigos políticos de caciques partidários
locais.
Quanto à suposta compra
de votos, cuja mácula comprometeria até mesmo emendas constitucionais, como as
das reformas tributária e previdenciária, já estão em andamento ações diretas
de inconstitucionalidade, movidas por sindicatos e pessoas físicas, com o intuito
de fulminar as ditas mudanças na Carta Magna.
Ao instaurar-se a
insegurança jurídica, não perdem apenas os que foram injustiçados no curso da
Ação Penal 470. Perde a sociedade, que fica exposta a casuísmos e decisões de
ocasião. Perde, enfim, o próprio Estado Democrático de Direito.
5. O STF fez um
julgamento político
Sob intensa pressão da
mídia conservadora-cujos veículos cumprem um papel de oposição ao governo e
propagam a repulsa de uma certa elite ao PT - ministros do STF confirmaram
condenações anunciadas, anteciparam votos à imprensa, pronunciaram-se fora dos
autos e, por fim, imiscuiram-se em áreas reservadas ao Legislativo e ao
Executivo, ferindo assim a independência entre os poderes.
Único dos poderes da
República cujos integrantes independem do voto popular e detêm mandato
vitalício até completarem 70 anos, o Supremo Tribunal Federal - assim como os
demais poderes e todos os tribunais daqui e do exterior - faz política. E o
fez, claramente, ao julgar a Ação Penal 470.
Fez política ao definir
o calendário convenientemente coincidente com as eleições. Fez política ao
recusar o desmembramento da ação e ao escolher a teoria do domínio do fato para
compensar a escassez de provas.
Contrariamente a sua
natureza, de corte constitucional contra-majoritária, o STF, ao deixar-se
contaminar pela pressão de certos meios de comunicação e sem distanciar-se do
processo político eleitoral, não assegurou-se a necessária isenção que deveria
pautar seus julgamentos.
No STF, venceram as
posições políticas ideológicas, muito bem representadas pela mídia conservadora
neste episódio: a maioria dos ministros transformou delitos eleitorais em
delitos de Estado (desvio de dinheiro público e compra de votos).
Embora realizado nos
marcos do Estado Democrático de Direito sob o qual vivemos, o julgamento,
nitidamente político, desrespeitou garantias constitucionais para retratar
processos de corrupção à revelia de provas, condenar os réus e tentar
criminalizar o PT. Assim orientado, o julgamento convergiu para produzir dois resultados:
condenar os réus, em vários casos sem que houvesse provas nos autos, mas,
principalmente, condenar alguns pela "compra de votos" para, desta
forma, tentar criminalizar o PT.
Dezenas de testemunhas
juramentadas acabaram simplesmente desprezadas. Inúmeras contraprovas não foram
sequer objeto de análise. E inúmeras jurisprudências terminaram alteradas para
servir aos objetivos da condenação.
Alguns ministros
procuraram adequar a realidade à denúncia do Procurador Geral, supostamente por
ouvir o chamado clamor da opinião pública, muito embora ele só se fizesse
presente na mídia de direita, menos preocupada com a moralidade pública do que
em tentar manchar a imagem histórica do governo Lula, como se quisesse matá-lo
politicamente. O procurador não escondeu seu viés de parcialidade ao afirmar
que seria positivo se o julgamento interferisse no resultado das eleições.
A luta pela Justiça
continua
O PT envidará todos os
esforços para que a partidarização do Judiciário, evidente no julgamento da
Ação Penal 470, seja contida. Erros e ilegalidades que tenham sido cometidos
por filiados do partido no âmbito de um sistema eleitoral inconsistente - que o
PT luta para transformar através do projeto de reforma política em tramitação
no Congresso Nacional - não justificam que o poder político da toga suplante a
força da lei e dos poderes que emanam do povo.
Na trajetória do PT, que
nasceu lutando pela democracia no Brasil, muitos foram os obstáculos que
tivemos de transpor até nos convertermos no partido de maior preferência dos
brasileiros. No partido que elegeu um operário duas vezes presidente da
República e a primeira mulher como suprema mandatária. Ambos, Lula e Dilma,
gozam de ampla aprovação em todos os setores da sociedade, pelas profundas
transformações que têm promovido, principalmente nas condições de vida dos mais
pobres.
A despeito das campanhas
de ódio e preconceito, Lula e Dilma elevaram o Brasil a um novo estágio: 28
milhões de pessoas deixaram a miséria extrema e 40 milhões ascenderam
socialmente.
Abriram-se novas
oportunidades para todos, o Brasil tornou-se a 6a.economia do mundo e é
respeitado internacionalmente, nada mais devendo a ninguém.
Tanto quanto fizemos
antes do início do julgamento, o PT reafirma sua convicção de que não houve
compra de votos no Congresso Nacional, nem tampouco o pagamento de mesada a
parlamentares. Reafirmamos, também, que não houve, da parte de petistas
denunciados, utilização de recursos públicos, nem apropriação privada e
pessoal.
Ao mesmo tempo,
reiteramos as resoluções de nosso Congresso Nacional, acerca de erros políticos
cometidos coletiva ou individualmente.
É com esta postura
equilibrada e serena que o PT não se deixa intimidar pelos que clamam pelo
linchamento moral de companheiros injustamente condenados. Nosso partido terá
forças para vencer mais este desafio. Continuaremos a lutar por uma profunda
reforma do sistema político - o que inclui o financiamento público das
campanhas eleitorais - e pela maior democratização do Estado, o que envolve
constante disputa popular contra arbitrariedades como as perpetradas no
julgamento da Ação Penal 470, em relação às quais não pouparemos esforços para
que sejam revistas e corrigidas.
Conclamamos nossa
militância a mobilizar-se em defesa do PT e de nossas bandeiras; a tornar o
partido cada vez mais democrático e vinculado às lutas sociais. Um partido cada
vez mais comprometido com as transformações em favor da igualdade e da
liberdade.
São Paulo, 14 de
novembro de 2012.
Comissão Executiva
Nacional do PT.
http://www1.folha.uol.com.br/poder/1185754-stf-teve-dois-pesos-e-duas-medidas-no-julgamento-do-mensalao-diz-pt.shtml