Acidente aconteceu durante as comemorações do Dia
do Soldado e marcou a história da capital paraibana
Há exatos 40 anos uma
tragédia marcava a história da capital paraibana. Trinta e cinco pessoas, das
quais 29 eram crianças, morreram afogadas após o naufrágio de uma embarcação na
Lagoa do Parque Solon de Lucena.
Era domingo, dia 24 de
agosto de 1975. Centenas de pessoas estavam na área central da cidade para
acompanhar os eventos em comemoração ao Dia do Soldado. O Exército Brasileiro
havia preparado uma exposição de armas, canhões, viaturas, carros de combate,
armadilhas de caça e pesca e galeria de fotos. Mas a atração que chamava mais
atenção do público era outra: os passeios nas águas da Lagoa a bordo de uma
portada.
Por volta das 17h15, quando
a embarcação fazia sua última viagem, houve um alarme de que estaria entrando
água no barco – possivelmente por causa de aberturas acidentais – o que gerou
pânico, segundo nota divulgada no dia seguinte ao naufrágio pelo 1º Grupamento
de Engenharia. O texto dizia que “um grande número de pessoas deslocou-se para
frente da portada, fazendo com que ela submergisse”.
O jornalista e escritor
Gilvan de Brito era repórter do jornal Correio da Paraíba na época do
acidente e fez a cobertura jornalística do acontecimento. A ele, a versão do
Exército não convence.
"Cerca de 200 pessoas
estavam na embarcação, apesar da capacidade dela ser de apenas 60 passageiros.
Além disso, não era uma barca apropriada para transportar pessoas, mas sim
materiais, equipamentos. Nem coletes salva-vidas os militares disponibilizaram,
ou seja, fica claro que o que houve ali foi uma negligência. Porém, esses
detalhes não foram divulgados na época, já que vivíamos uma ditadura militar e
os textos eram censurados caso desagradassem minimamente o governo", diz.
Em conversa com o Portal
Correio, o escritor relembra as cenas que testemunhou em 24 de agosto de 1975:
“De longe não era possível ver sequer o lastro da embarcação, por causa do
grande número de ocupantes da barca. Quando a embarcação já se encontrava em um
local mais profundo, as pessoas que estavam em terra começaram a se preocupar
porque observaram que o barco estava desaparecendo. Das margens da Lagoa,
ouvíamos apelos e gritos vindos do barco”, conta.
Gilvan de Brito relata ainda
que, ao perceber que o barco estava afundando, foi até a Rádio Tabajara e lá
avisou ao Corpo de Bombeiros sobre o acidente. "Quando cheguei estava
acontecendo a transmissão do jogo entre Campinense e CSA, de Alagoas.
Interrompemos a narração para comunicar os ouvintes sobre a tragédia e avisamos
aos Bombeiros. Em poucos minutos eles chegaram à Lagoa e começaram o resgate
das vítimas", lembra.
Policiais militares e
pessoas que observavam o passeio também atuaram na operação. A dona de casa
Claudecy Ventura, de 57 anos, estava entre as testemunhas da tragédia. Ela
recorda o clima de desespero que tomou conta dos presentes no Parque Solon de
Lucena.
Foto: Apenas um bote inflável prestava socorro às vítimas; multidão observava a operação
Créditos: Arquivo/Jornal Correio da Paraíba
“Havia muita gente no entorno da Lagoa. Pessoas que já estavam lá
acompanhando o passeio e outras que foram ao local depois de ficar sabendo do
acidente. A todo o momento era possível ouvir gritos de pessoas que haviam
perdido entes queridos na tragédia. E mesmo quem não conhecia as vítimas ficou
bastante comovido, principalmente durante a retirada dos corpos da Lagoa. Foi
uma cena muito impactante”, lembra.
Entre as vítimas fatais
estava uma vizinha dela e o sargento Reginaldo Calixto, com quem tinha amigos
em comum. Ele trabalhava no resgate das vítimas quando foi agarrado por uma
jovem e acabou se afogando. Antes de morrer, o militar conseguiu salvar três
crianças. O comandante da barca, sargento Edesio Basseto, e o soldado do
Exército Carlos Alberto Nóbrega também morreram no acidente.
Foto: Autoridades decretaram luto oficial e cancelaram desfile de 7 de setembro
Créditos: Arquivo/Jornal Correio da Paraíba
Créditos: Arquivo/Jornal Correio da Paraíba
Luto
Por causa do clima de
comoção que tomou conta da cidade, autoridades decretaram luto oficial. Naquele
ano, não houve o tradicional desfile cívico em comemoração à Independência do
Brasil. A decisão foi tomada pelo governo do Estado Guarnição Militar,
Secretaria da Educação e Cultura e Polícia Militar.
Foto: Autoridades decretaram luto oficial e cancelaram desfile de 7 de setembro
Créditos: Arquivo/Jornal Correio da Paraíba
Além do luto, o medo de uma nova tragédia atingiu os pessoenses. "Na época existia um projeto de implantação de pedalinhos na Lagoa, mas isso assustou muito as pessoas. Era falado que um novo acidente iria ocorrer e fazer mais vítimas naquele local. Depois de uma certa polêmica, acabaram desistindo do projeto", destaca Gilvan de Brito.
Foto: Autoridades decretaram luto oficial e cancelaram desfile de 7 de setembro
Créditos: Arquivo/Jornal Correio da Paraíba
Justiça
De acordo com documento
divulgado em 2011 pela Comissão de Gestão Documental da Justiça Federal na
Paraíba, familiares das vítimas entraram com ações judiciais, visando ao
recebimento de indenizações. O direito à reparação foi reconhecido nas decisões
dos juízes Francisco Xavier Pinheiro e Ridalvo Costa, que responsabilizaram a
União pelo acidente.
“As sentenças
fundamentaram-se na teoria da responsabilidade civil objetiva com base no risco
administrativo. Para essa teoria é exigida apenas a prova do dano, sem concurso
da vítima, provocado por preposto da pessoa jurídica de direito público. A
União foi condenada ao pagamento de pensões, segundo critérios definidos em cada
situação”, explica o relatório.
Marco histórico
Para o jornalista Gilvan de
Brito, não há dúvidas de que o naufrágio na Lagoa figura entre as maiores
tragédias já registradas no estado. "Vejo esse como um dos casos mais
emblemáticos da nossa cidade. Em termos de dimensão e comoção popular, talvez
perca apenas para uma epidemia de cólera, que vitimou cerca de 40 mil pessoas
em todo o estado, em meados de 1856".
Ele lembra que o
acontecimento foi destaque nos principais jornais e revistas do país. "No
mesmo dia do acidente enviei uma matéria para o Diário de Pernambuco e eles
tinham uma agência de notícias, então rapidamente vários outros veículos
tomaram conhecimento da tragédia e enviaram seus repórteres para cá. Folha de
S. Paulo, O Globo, Veja e Manchete foram alguns dos veículos que cobriram esse
fato", conta.
O naufrágio na Lagoa do
Parque Solon de Lucena também foi relatado no livro 'Opus Diaboli - A Lagoa e
Outras Tragédias', escrito pelo jornalista e lançado em 2011.
Fonte: Portal Correio
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