Boa parte desse problema se deve ao fato de, na teologia tradicional, a doutrina das ultimas coisas, ou seja, a escatologia (do termo grego eschatos que significa “último” ou “fim”) se concentrar quase exclusivamente na volta de Cristo em glória. Com exceção das discussões acerca da “escatologia pessoal”, aquilo que acontece às pessoas que quando elas morrem, pressupõe-se de um modo geral que a expressão “os últimos dias” diz respeito aos acontecimentos próximos à segunda vinda de Cristo. Em decorrência disso, a doutrina dos últimos dias tem se dedicado a elaborar esquemas complexos sobre o que a Bíblia diz acerca de acontecimentos e elementos como: a grande tribulação, o arrebatamento, o anticristo, a besta e o milênio.
A volta de Cristo é uma doutrina essencial, mas uma doutrina dos últimos dias que se concentra apenas nisso é excessivamente limitada. No último século, ficou evidente para muitos teólogos reformados que, em vez de limitar o conceito de últimos dias se estendem desde a primeira vinda de Cristo até sua volta. Nesse sentido, tudo na era do Novo Testamento é escatológico, uma vez que é relacionado ao fim dos tempos.
Esse uso da expressão “últimos dias” é fundamentado nas descrições antigas que Moisés apresentou do futuro de Israel. Moisés descreveu esse futuro em dois estágios (Lv 26. 14-45; Dt 4.25-31; 30.1-10). Primeiro, afirmou que o povo de Deus passaria por um tempo de pecado e dificuldade e que, por fim, seria julgado severamente com o exilio ocorreu quando os assírios derrotaram Israel, o reino do norte, 722 a.C. (2Rs 17) e quando, posteriormente, os babilônicos derrotaram Judá, o reino do sul, e Jerusalém em 586 a.C. (2Rs 25). Em seguida, Moisés falou de um estágio da História que ocorreria depois do exilio de Israel. Deus prometeu que quando o povo se arrependesse ele os levaria de volta para sua terra e os abençoaria ainda mais do que antes (Dt 30.5). em Dt 4.30, Moisés afirma que essa era de restauração depois do exílio se daria “nos últimos dias”, e é dessa passagem que vem o termo teológico “escatologia”.
Ao anteverem o futuro do povo de Deus, os profetas do Antigo Testamento usam a mesma abordagem de Moisés, considerando duas eras distintas. Muitos anunciam que o julgamento do exílio sobreviria à nação devido ao pecado, mas oferecem esperança de que o exílio será seguido de uma era grandiosa de bênçãos que também chamam de “últimos dias” (p. ex., Is 2.2-5; Os 3.5). Também empregam outras designações para essa era futura: o reino de Deus (Is 52.7); novos céus e nova terra (Is 65.17); o tempo da nova aliança (Jr 31.31) e aliança de paz (Ez 34.25) – entre outras.
No período entre Antigo e o Novo Testamento os judeus continuam a descrever a História dentro desse padrão de duas eras. A expressão “esta era” passou a ser usada para o período de pecado e morte que culminou com o exílio, enquanto a expressão “a era por vir” passou a designar os últimos dias, quando o Messias encerraria o exílio e estabeleceria o reino de Deus sobre a terra.
Jesus e os escritores do Novo Testamento também adotaram essa estrutura histórica de duas eras, mas com modificações consideráveis. Os judeus aos quais Jesus e seus apóstolos ministraram acreditavam que os últimos dias viriam de modo repentino e total no momento maravilhoso em que o Messias entrasse na História. No entanto, Jesus e seus seguidores proclamaram que os últimos dias viriam de outra maneira. O Novo Testamento ensina que, em vez de a História simplesmente passar de um estágio para outro, a primeira vinda de Jesus deu início à era vindoura que se sobrepõe ao tempo presente no período entre a primeira e a segunda vinda de Cristo. Assim, os últimos dias se manifestação em sua forma plena na consumação de todas as coisas quando Cristo voltar. Por esse motivo, Jesus ensinou que o reino de Deus é como um grão de mostarda que começa pequeno e cresce até se transformar na árvore mais frondosa do Jardim (Mt 13.31). E, também por isso a nova criação se iniciou em Jesus e no nosso coração (2Co 5.17), mas ainda aguardamos a plenitude da nova criação na volta de Cristo (Ap 21.1-3). Em resumo, com a primeira vinda de Cristo, muitas das dimensões dos últimos dias se realizaram, mas esses dias só alcançarão plenitude quando Cristo voltar.
Assim, não é de surpreender que o Novo Testamento use a terminologia dos últimos dias para designar mais do que a segunda vida de Cristo. Essa expressão diz respeito aos acontecimentos em torno de sua primeira vinda (At 2.17; Hb 1.2; 1Pe 1.20), à era da igreja como um todo (2Tm 3.1) e à era depois da volta de Cristo (1Pe 1.5). A era do Novo Testamento em sua totalidade é chamada de “últimos dias” porque Jesus derramou grandes julgamentos e bênçãos quando veio à terra pela primeira vez e subiu ao seu trono celestial. A história da igreja como um todo é chamada corretamente de últimos dias porque vivemos num tempo em que o reino de Deus em Cristo está se expandindo até os confins da terra.
A consciência de que o Novo Testamento se refere a todo período desde a primeira vinda de Cristo até a sua volta como fim dos tempos nos ajuda a mudar o foco das nossas prioridades. Em vez de lermos sobre os últimos dias no Antigo Testamento e no Novo Testamento simplesmente para criar esquemas complexos de sinais da volta de Cristo, precisamos aprender a ver toda era do Novo Testamento como cumprimento dos últimos dias. Essa abordagem nos ajudará a perceber mais claramente a maravilha do que Cristo realizou em sua primeira vinda. Também abrirá nossos olhos para a responsabilidade de viver para Cristo enquanto desfrutamos grandes bênçãos em Deus ao sofrermos por amor a Cristo. Por fim, nos ajudará a evitar o perigo de nos preocuparmos excessivamente com especulações acerca do tempo que Cristo voltará.
Assim, quando perguntamos se estamos vivendo nos últimos dias, a resposta da Bíblia é inequivocamente afirmativa. Juntamente com os cristãos de todas as gerações, estamos no estágio final da História. O reino de Deus dos últimos dias já está presente em nosso meio há mais de dois mil anos. Devemos nos regozijar com essa verdade, sabendo que, um dia, Cristo voltará para conduzir todas as coisas ao seu fim glorioso.
Artigo copiado da Bíblia de estudo de Genebra.
Se encontra em Hebreus 7
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