O ponto de partida da narrativa é o ano de 1565, marco da
fundação do Rio de Janeiro por Estácio de Sá, mas a história se desenrola a
partir de um contexto muito mais amplo, que remonta aos primeiros anos do
século XVI. Doria habilmente situa o Brasil no tabuleiro geopolítico da Europa
e da África da época, explicando por que a terra descoberta por Cabral não era,
inicialmente, uma prioridade para Portugal, mais focado nas lucrativas
especiarias das Índias. Essa desatenção inicial, paradoxalmente, abriu portas
para outros atores, como os franceses, que viram na Guanabara uma oportunidade
estratégica e comercial, desencadeando conflitos que seriam decisivos para o
futuro da região.
Um dos pilares da obra é a análise da França Antártica, a
tentativa francesa de estabelecer uma colônia na Baía de Guanabara sob a
liderança de Nicolas Durand de Villegagnon. Doria apresenta Villegagnon como
uma figura quixotesca – um homem medieval preso em tempos de Renascença, cuja
rigidez e intransigência religiosa, em meio a um cenário de efervescência
cultural e conflitos entre católicos e calvinistas, foram cruciais para o
fracasso de seu empreendimento. O livro detalha a chegada dos franceses, a construção
do Forte Coligny, e os embates internos e externos, incluindo as relações
complexas com os tupinambás e a chegada dos calvinistas que buscavam refúgio
religioso. A descrição da vida na colônia francesa, com suas privações e
conflitos entre europeus e nativos, bem como as tensões religiosas, é
particularmente rica e ilustrativa.
Capítulo 2 | Uma fé, uma lei, um rei
“Villegagnon, um homem barbado, nem alto, nem baixo, culto,
vaidoso – levou para o Brasil roupas coloridas, uma cor para cada dia da semana
– era rígido. Não aceitava mudanças. Conservador.”
A contrapartida portuguesa a essa presença francesa é outro
eixo central. Pedro Doria destaca a saga da família Sá, especialmente Mem de
Sá, o governador-geral, e seu sobrinho Estácio de Sá, como os grandes artífices
da colonização do sul. A obra explora a complexa relação entre o Rio de Janeiro
e São Paulo, revelando que "o Rio, o leitor lerá mais de uma vez nas
próximas páginas, nasceu para que São Paulo sobrevivesse." Essa
interdependência, permeada por desconfiança mútua e, ao mesmo tempo, por uma
irmandade forjada em lutas, é um dos pontos mais interessantes. Os paulistas,
com sua vocação bandeirante e uma identidade cultural já distinta,
desempenharam um papel fundamental na expulsão dos franceses e na fundação do
Rio, consolidando uma herança de "independência anárquica da Coroa"
que marcaria ambas as cidades.
A figura dos jesuítas, em particular a de Manuel da Nóbrega
e José de Anchieta, emerge como um elemento catalisador da história. Doria os
retrata não apenas como missionários religiosos, mas como hábeis políticos e
estrategistas, que, apesar de suas contradições (como a visão de Anchieta de
que "a espada e a vara de ferro eram a melhor pregação" para os
tupis), foram cruciais para a defesa e a organização da presença portuguesa.
Sua mediação com os povos indígenas, como a "Paz de Iperoígue" com os
tamoios, é detalhada, mostrando a dificuldade e a brutalidade das guerras
indígenas, onde alianças eram fluidas e a própria identidade dos colonizadores
se mesclava com a dos nativos.
Capítulo 4 | Águas de março
“O cerco a Piratininga mostra como era complexa a cisão
entre os tupis. Enquanto Tibiriçá lutava com os seus ao lado dos portugueses,
do outro lado, atacando junto com a turma de Aimberê, estavam Araraig e
Jagoanharo, seu irmão e seu sobrinho.”
O livro desmistifica a ideia de uma colonização europeia
uníssona, destacando a presença de diversos povos – irlandeses, alemães,
italianos – e a complexidade das relações entre portugueses, espanhóis e os
próprios nativos. A mestiçagem, não apenas biológica, mas cultural e
linguística (com o tupi sendo a língua corrente em muitas casas), é apresentada
como um traço fundamental do brasileiro do Sul.
Com o avanço da narrativa, o autor explora a evolução
econômica do Brasil colonial. Inicialmente, a exploração do pau-brasil, depois
a ascensão da cultura da cana-de-açúcar, que transformou a economia e a
paisagem do Nordeste, e, por fim, o papel do Rio de Janeiro como um entreposto
crucial no tráfico de escravos africanos para as minas de Potosí, na América
espanhola. Doria ilustra como essa "linha de tráfico", lucrativa mas
brutal, impulsionou o crescimento do Rio, mesmo que pouco da riqueza gerada
fosse reinvestida na cidade. A descrição do sistema de engenhos, dos
maus-tratos aos escravos e da exploração econômica revela a dureza da vida
colonial.
Capítulo 5 | Com açúcar, com afeto
“A cidade seria inviável economicamente sem os índios.”
A ascensão de Salvador Corrêa de Sá e Benevides, neto do
velho Salvador, é outro ponto de virada. Doria o descreve como um "general
europeu" com a alma de um bandeirante, cuja visão geopolítica e ambição o
levaram a desempenhar um papel crucial na reconquista de Angola dos holandeses.
Essa vitória não só garantiu o fornecimento de escravos, vital para a economia
do império, mas também reposicionou o Rio de Janeiro no centro das atenções de
Lisboa. No entanto, sua arrogância e os desmandos na administração geraram a
"Bernarda", uma revolta popular que, embora efêmera, expôs as tensões
entre a elite governante e a população, além das complexas relações entre a
Coroa, os jesuítas e os cidadãos.
Capítulo 6 | Por Sá Ganhada
“A Holanda passaria, então, a ser a principal ameaça à
América de portugueses e espanhóis. E essa mudança terminaria por tirar o Rio
da periferia para lançá-lo no centro da geopolítica mundial.”
Um aspecto particularmente tocante da obra é a maneira como
Doria aborda a "amnésia histórica" do Rio de Janeiro. Ao contrastar a
falta de marcos e a desmemória carioca com a reverência de outras cidades (como
São Paulo, Boston ou Barcelona) por seu passado, ele sublinha a importância de
entender as origens da cidade para compreender seus problemas e sua identidade.
O autor, que se descreve como um "carioca que gosta (muito) de São
Paulo", busca preencher essa lacuna, trazendo à luz as "muitas
histórias, lugares e personagens que se encontram" para formar o que o Rio
é hoje. A busca pelo "muro do Martim" ou as fundações da "Casa
de Pedra" no Flamengo são metáforas poderosas para a redescoberta de um
passado enterrado.
A escrita de Pedro Doria é acessível e envolvente,
característica de sua formação jornalística. Ele se atém aos fatos, mas os
apresenta de uma forma que cativa o leitor, com descrições vívidas e diálogos
que, quando presentes, são baseados em registros históricos. O livro não se
propõe a ser uma tese acadêmica, mas sim uma crônica bem contada, que convida o
leitor a um passeio por um passado distante, mas profundamente relevante. A
inclusão de notas detalhadas e referências bibliográficas demonstra o rigor da
pesquisa, enquanto o estilo mantém a fluidez e o prazer da leitura.
"1565 – Enquanto o Brasil Nascia" é uma obra
essencial para quem busca uma compreensão mais profunda da história do Rio de
Janeiro e do Brasil colonial. Ao humanizar seus personagens, contextualizar os
eventos e desafiar narrativas simplistas, Pedro Doria oferece uma perspectiva
rica e multifacetada sobre a formação de uma das cidades mais emblemáticas do
mundo e as raízes da própria nação brasileira. É um convite à reflexão sobre
como o passado, com suas contradições e grandezas, continua a ressoar no presente
e a moldar o futuro.
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