Radio Evangélica

domingo, 28 de setembro de 2025

Gamal Abdel Nasser e o Pan-arabismo: O Egito como Protagonista no Século XX

Gamal Abdel Nasser (1918-1970) permanece como uma das figuras mais influentes e complexas do século XX no Oriente Médio. Como segundo presidente do Egito, sua liderança não apenas transformou a sociedade egípcia, mas também o posicionou como o principal expoente do Pan-arabismo, um movimento ideológico que defendia a união política, cultural e econômica dos povos árabes. Este artigo explora a ascensão de Nasser, a aplicação de sua visão pan-arabista e o impacto duradouro de suas políticas no Egito e no mundo árabe, analisando tanto seus triunfos quanto seus fracassos.

A Ascensão de Nasser e a Revolução Egípcia

O Egito da primeira metade do século XX era uma nação marcada pela forte influência britânica e por uma monarquia vista por muitos como corrupta e submissa a interesses estrangeiros. Nesse cenário de descontentamento nacionalista, um grupo de oficiais militares, conhecido como "Movimento dos Oficiais Livres", liderado por Nasser e Muhammad Naguib, executou um golpe de Estado em 23 de julho de 1952, derrubando o Rei Faruk I.

Inicialmente, Naguib tornou-se a figura pública da revolução, mas o poder real estava com Nasser, que consolidou sua autoridade nos anos seguintes. Em 1956, ele se tornou presidente do Egito, iniciando uma era de profundas transformações. Sua ideologia combinava três pilares centrais: o nacionalismo egípcio, o socialismo árabe e o pan-arabismo.

A Ideologia Nasserista: Socialismo Árabe e Unidade

O "Socialismo Árabe" de Nasser não era uma adesão estrita ao marxismo, mas uma via pragmática para modernizar o Egito e reduzir as desigualdades sociais. Suas principais políticas incluíam uma vasta reforma agrária, a nacionalização de indústrias e bancos, e a expansão de serviços públicos como educação e saúde. O objetivo era criar uma nação forte, autossuficiente e industrializada, capaz de liderar o mundo árabe.

Essa força interna era a base para o projeto maior: o Pan-arabismo. Para Nasser, a fragmentação do mundo árabe era uma fraqueza explorada por potências imperialistas. A unidade, portanto, era essencial para garantir a soberania e restaurar a dignidade árabe. Ele via o Egito, com sua população, peso cultural e localização estratégica, como o coração natural desse movimento.

Momentos-Chave do Pan-arabismo sob Nasser

1. A Crise de Suez (1956)

O ponto de virada para a ascensão de Nasser como líder árabe foi a nacionalização da Companhia do Canal de Suez em 1956. A decisão foi uma resposta direta à recusa dos Estados Unidos e do Reino Unido em financiar a construção da Represa de Aswan. A medida provocou uma invasão militar coordenada por Israel, França e Reino Unido. No entanto, a pressão diplomática da União Soviética e, crucialmente, dos Estados Unidos, forçou a retirada das tropas invasoras. Embora militarmente o Egito tenha sofrido perdas, o resultado foi uma vitória política esmagadora para Nasser. Ele foi celebrado em todo o mundo árabe como o líder que desafiou e humilhou as antigas potências coloniais, tornando-se um símbolo da resistência e do orgulho árabe.

2. A República Árabe Unida (1958-1961)

O auge do Pan-arabismo institucional ocorreu com a formação da República Árabe Unida (RAU), uma união política entre o Egito e a Síria. A iniciativa partiu de líderes sírios que, temendo a instabilidade interna e a crescente influência comunista, viram em Nasser um protetor. Para Nasser, era a primeira etapa concreta rumo a um estado pan-árabe. Contudo, a união foi marcada por dificuldades. A centralização do poder no Cairo e a dominação egípcia na administração e no exército geraram ressentimento na Síria, que se retirou da união após um golpe militar em 1961. O colapso da RAU foi um duro golpe, mas não extinguiu o ideal.

3. A Influência Cultural e Midiática

Uma das ferramentas mais poderosas de Nasser foi a rádio "Sawt al-Arab" (A Voz dos Árabes), sediada no Cairo. Suas transmissões alcançavam todo o Oriente Médio e Norte da África, levando discursos inflamados de Nasser, canções nacionalistas e propaganda pan-arabista diretamente para milhões de lares, contornando a censura de monarquias e governos rivais. Essa "guerra fria árabe" consolidou a imagem de Nasser e polarizou a região entre seu campo revolucionário e o campo conservador, liderado pela Arábia Saudita.

O Declínio e o Legado

Apesar do fervor popular, o projeto pan-arabista de Nasser enfrentou obstáculos intransponíveis. A intervenção militar egípcia na Guerra Civil do Iêmen (1962-1970), apoiando os republicanos contra os monarquistas (apoiados pelos sauditas), transformou-se num conflito longo e dispendioso, apelidado de "o Vietnã do Egito".

O golpe fatal, no entanto, veio com a Guerra dos Seis Dias em 1967. Em uma campanha militar relâmpago, Israel derrotou as forças combinadas de Egito, Síria e Jordânia, ocupando a Península do Sinai, a Faixa de Gaza, a Cisjordânia, as Colinas de Golã e Jerusalém Oriental. A derrota foi devastadora e humilhante, quebrando o mito da invencibilidade árabe sob a liderança de Nasser e minando severamente a credibilidade do Pan-arabismo como solução militar e política.

Nasser morreu em 1970, ainda uma figura popular, mas com seu grande projeto em ruínas. Seu sucessor, Anwar Sadat, reorientou a política egípcia, afastando-se do Pan-arabismo e da União Soviética e aproximando-se dos Estados Unidos, culminando nos Acordos de Camp David com Israel.

Conclusão

O legado de Gamal Abdel Nasser é profundamente ambivalente. Por um lado, ele é lembrado por restaurar a soberania egípcia, promover a justiça social e inspirar uma geração de árabes a lutar por independência e dignidade. Por outro, seu governo foi autoritário, suprimiu a oposição interna e levou a região a uma derrota militar catastrófica. Embora a visão de um único Estado árabe unificado tenha fracassado, a ideia de uma identidade árabe comum e a resistência ao domínio externo, centrais ao nasserismo, continuam a ressoar na política e na cultura do Oriente Médio até hoje. Nasser não realizou seu sonho, mas, inegavelmente, redefiniu as fronteiras do possível para o mundo árabe no século XX.

Referências Bibliográficas (Formato ABNT)

ABURISH, Said K. Nasser: The Last Arab. New York: St. Martin's Press, 2004.

DAWISHA, Adeed. Arab Nationalism in the Twentieth Century: From Triumph to Despair. Princeton: Princeton University Press, 2003.

GORDON, Joel. Nasser's Blessed Movement: Egypt's Free Officers and the July Revolution. New York: Oxford University Press, 1992.

HOURANI, Albert. Uma história dos povos árabes. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

VATIKIOTIS, P. J. Nasser and His Generation. London: Croom Helm, 1978.

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