A Ascensão de Nasser e a Revolução Egípcia
O Egito da primeira metade do século XX era uma nação
marcada pela forte influência britânica e por uma monarquia vista por muitos
como corrupta e submissa a interesses estrangeiros. Nesse cenário de
descontentamento nacionalista, um grupo de oficiais militares, conhecido como
"Movimento dos Oficiais Livres", liderado por Nasser e Muhammad
Naguib, executou um golpe de Estado em 23 de julho de 1952, derrubando o Rei
Faruk I.
Inicialmente, Naguib tornou-se a figura pública da
revolução, mas o poder real estava com Nasser, que consolidou sua autoridade
nos anos seguintes. Em 1956, ele se tornou presidente do Egito, iniciando uma
era de profundas transformações. Sua ideologia combinava três pilares centrais:
o nacionalismo egípcio, o socialismo árabe e o pan-arabismo.
A Ideologia Nasserista: Socialismo Árabe e Unidade
O "Socialismo Árabe" de Nasser não era uma adesão
estrita ao marxismo, mas uma via pragmática para modernizar o Egito e reduzir
as desigualdades sociais. Suas principais políticas incluíam uma vasta reforma
agrária, a nacionalização de indústrias e bancos, e a expansão de serviços
públicos como educação e saúde. O objetivo era criar uma nação forte,
autossuficiente e industrializada, capaz de liderar o mundo árabe.
Essa força interna era a base para o projeto maior: o
Pan-arabismo. Para Nasser, a fragmentação do mundo árabe era uma fraqueza
explorada por potências imperialistas. A unidade, portanto, era essencial para
garantir a soberania e restaurar a dignidade árabe. Ele via o Egito, com sua
população, peso cultural e localização estratégica, como o coração natural
desse movimento.
Momentos-Chave do Pan-arabismo sob Nasser
1. A Crise de Suez (1956)
O ponto de virada para a ascensão de Nasser como líder árabe
foi a nacionalização da Companhia do Canal de Suez em 1956. A decisão foi uma
resposta direta à recusa dos Estados Unidos e do Reino Unido em financiar a
construção da Represa de Aswan. A medida provocou uma invasão militar
coordenada por Israel, França e Reino Unido. No entanto, a pressão diplomática
da União Soviética e, crucialmente, dos Estados Unidos, forçou a retirada das
tropas invasoras. Embora militarmente o Egito tenha sofrido perdas, o resultado
foi uma vitória política esmagadora para Nasser. Ele foi celebrado em todo o
mundo árabe como o líder que desafiou e humilhou as antigas potências
coloniais, tornando-se um símbolo da resistência e do orgulho árabe.
2. A República Árabe Unida (1958-1961)
O auge do Pan-arabismo institucional ocorreu com a formação
da República Árabe Unida (RAU), uma união política entre o Egito e a Síria. A
iniciativa partiu de líderes sírios que, temendo a instabilidade interna e a
crescente influência comunista, viram em Nasser um protetor. Para Nasser, era a
primeira etapa concreta rumo a um estado pan-árabe. Contudo, a união foi
marcada por dificuldades. A centralização do poder no Cairo e a dominação
egípcia na administração e no exército geraram ressentimento na Síria, que se
retirou da união após um golpe militar em 1961. O colapso da RAU foi um duro
golpe, mas não extinguiu o ideal.
3. A Influência Cultural e Midiática
Uma das ferramentas mais poderosas de Nasser foi a rádio
"Sawt al-Arab" (A Voz dos Árabes), sediada no Cairo. Suas
transmissões alcançavam todo o Oriente Médio e Norte da África, levando
discursos inflamados de Nasser, canções nacionalistas e propaganda pan-arabista
diretamente para milhões de lares, contornando a censura de monarquias e
governos rivais. Essa "guerra fria árabe" consolidou a imagem de
Nasser e polarizou a região entre seu campo revolucionário e o campo
conservador, liderado pela Arábia Saudita.
O Declínio e o Legado
Apesar do fervor popular, o projeto pan-arabista de Nasser
enfrentou obstáculos intransponíveis. A intervenção militar egípcia na Guerra
Civil do Iêmen (1962-1970), apoiando os republicanos contra os monarquistas
(apoiados pelos sauditas), transformou-se num conflito longo e dispendioso,
apelidado de "o Vietnã do Egito".
O golpe fatal, no entanto, veio com a Guerra dos Seis
Dias em 1967. Em uma campanha militar relâmpago, Israel derrotou as forças
combinadas de Egito, Síria e Jordânia, ocupando a Península do Sinai, a Faixa
de Gaza, a Cisjordânia, as Colinas de Golã e Jerusalém Oriental. A derrota foi
devastadora e humilhante, quebrando o mito da invencibilidade árabe sob a
liderança de Nasser e minando severamente a credibilidade do Pan-arabismo como
solução militar e política.
Nasser morreu em 1970, ainda uma figura popular, mas com seu
grande projeto em ruínas. Seu sucessor, Anwar Sadat, reorientou a política
egípcia, afastando-se do Pan-arabismo e da União Soviética e aproximando-se dos
Estados Unidos, culminando nos Acordos de Camp David com Israel.
Conclusão
O legado de Gamal Abdel Nasser é profundamente ambivalente.
Por um lado, ele é lembrado por restaurar a soberania egípcia, promover a
justiça social e inspirar uma geração de árabes a lutar por independência e
dignidade. Por outro, seu governo foi autoritário, suprimiu a oposição interna
e levou a região a uma derrota militar catastrófica. Embora a visão de um único
Estado árabe unificado tenha fracassado, a ideia de uma identidade árabe comum
e a resistência ao domínio externo, centrais ao nasserismo, continuam a ressoar
na política e na cultura do Oriente Médio até hoje. Nasser não realizou seu
sonho, mas, inegavelmente, redefiniu as fronteiras do possível para o mundo
árabe no século XX.
Referências Bibliográficas (Formato ABNT)
ABURISH, Said K. Nasser:
The Last Arab. New York: St. Martin's Press, 2004.
DAWISHA, Adeed. Arab
Nationalism in the Twentieth Century: From Triumph to Despair. Princeton:
Princeton University Press, 2003.
GORDON, Joel. Nasser's Blessed
Movement: Egypt's Free Officers and the July Revolution. New York: Oxford
University Press, 1992.
HOURANI, Albert. Uma história
dos povos árabes. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
VATIKIOTIS, P. J. Nasser and
His Generation. London: Croom Helm, 1978.

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