Radio Evangélica

domingo, 16 de setembro de 2012

ESPINHO NA CARNE E CARNE NO ESPINHO


Paulo disse que teve grandes visões e revelações espirituais—foi levado ao Paraíso e ouviu o que ninguém ouve e sabe contar—, e que por causa disso foi-lhe enviado da parte de Deus um mensageiro de Satanás para que o esbofeteasse, a fim de que o apóstolo não se ensoberbecesse com a grandeza das coisas que a ele estavam sendo reveladas.
Pediu a Deus três vezes para ficar livre daquele “espinho na carne”.
O Senhor, todavia, não o removeu, tendo apenas dito a Paulo “a minha Graça te basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza”.
Que espinho era esse?
Muita gente boa já fez considerações sobre o assunto.
O espinho de Paulo já foi sua conjuntivite crônica, já foi a perseguição dos judaizantes, já foi o ter que trabalhar a fim de sustentar seu ministério, já foi o estilo calamitoso e desassossegado de vida que o acometeu, já foi a sua não aceitação pela Igreja de Jerusalém, já foi muita coisa...
No início da década de setenta, nos Estados Unidos, e depois na década de oitenta, no Brasil, o espinho de Paulo ganhou outro “diagnóstico”.
Li e ouvi pessoas tentando convencer o público do contrário. No auge da Teologia da Prosperidade, com seus líderes anunciando uma era na qual a fé rehma curava tudo e que quem não ficasse curado era porque não cria, o espinho de Paulo deixou de ser associado a qualquer forma de doença ou debilidade física ou financeira.
Paulo não podia mais ficar doente e só passava privações por deliberação própria. Gostava!
Virara o super-homem de Friedrich Nietzsche.
Nem o próprio Nietzsche acreditaria que Paulo se tornou o super-homem dos cristãos, superior ao super-homem de Zaratustra.
O fato é que Paulo, agora, não tinha mais permissão para adoecer.
Seria falta de fé.
Afinal, como poderia ele curar se estava doente?
Num mundo onde o poder é do homem, somente seres absolutamente sãos podem transmitir saúde.
Afinal, o dom não é da Graça, mas uma virtude desenvolvida pelo super-homem.


Assim, o espinho na carne de Paulo deixou de ser qualquer coisa anteriormente relacionada a ele, tornando-se, assim, qualquer coisa, menos uma doença física—psicológica ou afetiva, nem pensar!—, mas não foi identificado como nada objetivo. Apenas se sabia que Paulo tinha um “espinho na carne”, mas não devia ser tão “importante”, pois Deus não quis removê-lo...
Até mesmo a afirmação apostólica de que o espinho tinha finalidades terapêuticas não foi mais levada em consideração.
Paulo
 ensoberbecer?

Jamais!—bradam os santos mais santos que Paulo.
E, assim, vão desespinhando a Paulo por uma única razão: Para nós a Graça não basta e o poder não se aperfeiçoa na fraqueza!


Essa “graça” só basta como confeito ao bolo de nossas próprias virtudes.


Essa “nossa graça” não gera humildade e dependência ao Senhor, mas arrogância e autonomia em relação a Deus.


Esse “poder” só se aperfeiçoa como status atribuído ao sucesso das virtudes da “fé” obstinada e que chega onde quer porque assim determina.


Esse “poder” gera seres malévolos e essa “fé” pode até colocar o individuo onde ele quer, mas não o põe onde Deus deseja.


Para que se entenda o que aconteceu a Paulo não se tem que saber o que aconteceu com ele—mas em sua vida interior.
E para sabermos do que se trata, basta que olhemos para nós mesmos. Boa parte do tempo que se gasta tentando saber informações históricas sobre o “espinho histórico” de Paulo, rouba-nos o tempo da viagem para dentro de nós mesmos, onde o fenômeno se repete, ainda que exteriormente ele tenha outra cara, talvez diferente da de Paulo.


Há três princípios que precisam ser entendidos a fim de que se compreenda acerca do que o apóstolo está falando.
1. O princípio das polaridades:


À toda virtude humana—se assim pudermos definir o que não nasce em nós, mas vem de Deus—corresponde um pólo desvirtuoso.


Assim, é a abundancia do pecado que faz superabundar a Graça.


Ou seja: é porque a mulher da noite escura havia se dado em muitos falsos amores—na vivencia de sua própria carência—, que agora ela ouve o elogio do Senhor dizendo que ela “muito ama”.


Tanto amor!


Mas e o que havia dentro dela?


Os produtos daquela mesma virtude já tinham tido cara de leviandade, promiscuidade e vagabundagem—para os expectadores, como o fariseu dono da casa.


Desse modo, sempre que se vir grandes virtudes pode-se saber que existe o equivalente polar dentro do mesmo ser.


Daí grandes “revelações” se fazerem acompanhar de “mensageiros de Satanás” a fim de equilibrar o bem em nós.


Não há em nós equilíbrio nem para se viver o bem absoluto.
Nada absoluto pode ser dado a um ser caído.


Corrompe-o.


Adoece-o.


O faz cair da Graça.


O único absoluto que não se corrompe num mundo caído é o Absoluto do amor de Deus.


Afinal, esse é o mundo caído. E nele muitas vezes é do abismo que somos catapultados aos céus mais elevados na Graça!

2. O principio da corruptibilidade de qualquer poder sem fraqueza:


Todo poder num mundo caído, corrompe—quanto mais todo-poder!


Não apenas o poder político, econômico, intelectual e cultural corrompem e se tornam instrumentos de controle e soberania, mas até mesmo as virtudes do poder ético, da moral, da santidade e da própria sabedoria—quanto mais a revelação!


Por isso é que todos os homens que manifestaram o poder de Deus na Bíblia tiveram que viver em fraqueza.


Poder de Deus sem fraqueza gera o diabo no ser. Transforma o “Querubim da Guarda” no “Acusador dos Irmãos”.


Para o bem da própria alma o ser tem que conhecer, sem poder realizar tudo o conhece; saber, sem atingir tudo o que discerniu; alcançar, sem poder dizer que chegou lá sozinho.


É assim que tem que ser num mundo caído!

3. O princípio da Graça só opera como Graça produtiva na fraqueza:


Sem que a Graça se manifesta na fraqueza, não é e nem há Graça. Pois, nesse caso, a virtude humana e a gloria, é de quem pensa que conseguiu por conta própria.


Para que a Graça cresça em nós nunca pode haver dúvida acerca de pelo menos duas coisas: a primeira é que “não vem de nós”; e segunda é que “não vem de nós para que ninguém se glorie”.


Então alguém pergunta: Por que?


Ora, digo eu: é que eu sou como eu sou e você é como você é!


Você poderia se imaginar como um ser todo-poderoso e, ainda assim, essencialmente bom?


Logo que algumas pequenas conquistas aparecem no horizonte mais banal—não importa se promoções ou se revelações—e o individuo já começa a mudar.


Chega ao ponto em que a pessoa já fala de si mesma como se fosse uma “terceira pessoa”, um ente diferenciado dele—como se eu só me referisse aos meus gostos como “o pastor Caio gosta disso”—e que passa a ser tratado como o santo do próprio “santo”.


É quando eu sou o santo de mim mesmo!


Poder nas mãos do homem tem que se fazer exercer com espinho na carne.


E Graça na vida humana tem que ser experimentada em fraqueza.


Do contrário, o ser se converte em diabo.

Assim, aprende-se que é melhor ter revelações e ainda assim ter que se conviver com o mensageiro de Satanás que nos esbofeteia, que ter apenas cogitação de poder humano e de sabedoria humana, sem qualquer espinho na carne!


E pior: sem também ter a satisfação de ouvir Jesus dizer: “A minha Graça te basta, pois o poder se aperfeiçoa na fraqueza”.


Não se tem que achar o espinho, ele nos acha!


Não se tem que procurar a fraqueza, ela existe em nós!


Não se tem nem que falar no assunto, ele tem voz própria!

O segredo é aceitar o fato e não deixar de buscar conhecer todos os andares dos céus dos céus, sabendo que não é a minha virtude que me leva tão alto, mas a Graça que usou a minha fraqueza para revelar tanto, a quem antes de tudo já sabe que não tem do que se gloriar.


O espinho na carne de Paulo interessa muito pouco saber qual era. Interessa mesmo é saber que ele tinha que estar lá.

Caio

Copacabana
2003

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