Comediante Michael Palin sobre uma estátua de Lênin em Addis-Adeba, Etiópia. |
Há cerca de dez anos, publiquei um livro, A
Estranha Morte do Marxismo, que argumentava vigorosamente que a esquerda
atual não é marxista, mas pós-marxista. Ao contrário dos marxistas tradicionais
e dos socialistas democráticos europeus, o tipo de esquerda que ganhou terreno
desde e até mesmo antes da queda do império soviético é culturalmente radical,
mas apenas secundariamente interessada na mudança econômica.
Nossa esquerda atual faz as pazes com a iniciativa
privada e até com as grandes corporações, de forma que ela possa impor sua
ideia de transformação social e cultural a cidadãos cada vez mais impotentes e
seus respectivos filhos, cada vez mais doutrinados.
Não que essa esquerda seja particularmente amigável com
qualquer coisa que seja privada, incluindo transações econômicas. Mas ela trata
a economia como algo que pode influenciar sem ter de nacionalizar, evitando,
assim, aquelas políticas desastrosas que governos socialistas do passado
tentaram decretar.
Nossa própria elite intelectual esquerdista concluiu com
sensatez que é melhor permitir que as forças de mercado operem ao mesmo tempo
que se asseguram de que a administração pública possa usurpar os lucros, sempre
que houver um pretexto. Além disso, essa elite intelectual constantemente
intimida o povo a acompanhá-la em orientações comportamentais cada vez mais
complicadas, supostamente destinadas a lutar contra a “discriminação”.
É a cultura, e apenas instrumentalmente o governo, que a
esquerda pós-marxista procura dominar; e o tipo de estado administrativo que se
expandiu de forma explosiva em todos os países ocidentais desde a década de
1960 é um instrumento eficaz pelo qual engenheiros sociais e comissários
da sensibilidade podem fazer o seu trabalho.
Embora eu não tenha mudado minha visão sobre como a
esquerda se transformou desde que escrevi meu livro, parece que, de certa
forma, tem havido mais continuidade entre o velho e o novo esquerdista, como
sugeri.
Os antigos marxistas, aqui e na Europa, tornaram-se
multiculturalistas quase que da noite para o dia, enquanto nossos esquerdistas
atuais ainda admiram comunistas do passado (como Fidel Castro) e associam
anticomunistas ao fascismo. Além disso, após assistir à histeria organizada
anti-Trump, que tem cativado a indignação das massas, das autointituladas
indústrias de entretenimento e da mídia desequilibrada, torna-se óbvio que a
esquerda multicultural politicamente correta está seguindo a velha e mais
cerebral esquerda marxista em três aspectos críticos.
1 –
Como os comunistas e também como os fascistas italianos, a esquerda
multicultural nunca se vê ocupando posições de autoridade e/ou sendo capaz de
forçar a falta de vontade em cumprir com suas exigências. Embora a esquerda
compreenda a situação, está sempre se esforçando para tomar o poder. Também
quando parece estar chegando a algum lugar (como na América de Obama), ainda
corre o risco de ser esmagada por forças hostis. Exatamente como a (velha)
esquerda certa vez argumentou, que nenhuma revolução socialista jamais havia
sido plenamente realizada e que os países comunistas ainda estavam “no caminho
para se tornarem socialistas”, também os regimes politicamente corretos de
hoje, como vistos por seus defensores, são apenas os primeiros passos em direção
à superação do passado. São os primeiros passos da longa marcha para o poder;
mesmo que esses passos tenham sido ameaçados quando Hillary Clinton não
conseguiu chegar à presidência.
2 –
Não há meios da esquerda abrir mão das mudanças que já implementou na sociedade
sem que toda a estrutura de mudança esteja em perigo. Isto corresponde à
fórmula de Trotsky de que se a revolução é feita para recuar do estágio D ao
estágio C, então toda a marcha para a nova sociedade poderia ser revertida. Por
conseguinte, a marcha para fora do passado sombrio e repressivo deve ser
seguida incondicionalmente, e qualquer deslize será equivalente a uma
contra-revolução — ou em um discurso esquerdista amedrontador, fazendo com que
as mulheres sejam forçadas a fazer abortos em becos, re-impondo a segregação
racial, e aprisionando homossexuais. Este tipo de pensamento faz todo sentido,
se alguém começa a supor que está em uma situação de “tudo ou nada”.Também não
importa que o presidente Obama tenha cancelado os voos do Iraque para os EUA em
2011 ou que Bill Clinton tenha falado em um discurso do Estado da União em 1994
sobre a interrupção da presença de ilegais nos EUA. Também não devemos perceber
que o predecessor de Donald Trump tenha sido contrário ao “casamento” gay na época
em que foi eleito para a presidência. É nosso, segundo os esquerdistas, o dever
proteger qualquer revolução que esteja em andamento em seu estágio mais
avançado.
3 –
Qualquer um que ameace o processo ainda frágil e reversível de mudança, deve
ser desumanizado. Não pode haver desentendimentos honestos com aqueles que por
desígnio ou por perigosa ignorância estejam trabalhando contra a “esperança e
mudança”. Portanto, é justificado condenar esses reacionários como os mais vis
e malignos dos seres. Como os comunistas, a esquerda atual, particularmente na
Europa Ocidental, caracteriza seus oponentes como “fascistas”. Note que para a
velha esquerda o “fascismo” tinha um significado quase científico. Referia-se
aos defensores de uma forma de capitalismo tardio, que já havia atingido um
ponto de crise mortal. “Fascistas” reprimiram a revolução socialista criando
ditaduras nacionalistas de direita. No processo, os falsos revolucionários
“fascistas” expulsaram os verdadeiros revolucionários de esquerda.
Para a esquerda multicultural, em contrapartida, o termo
“fascista”, utilizado antigamente pelos marxistas foi reduzido a um borrão.
Agora ele diz respeito àqueles que a esquerda está combatendo, isto é, aqueles
que discordam de todos ou de algum aspecto da agenda social da esquerda.
Aqueles que se opõem a essa agenda podem ou talvez devam ser atacados como
nazistas e até mesmo negadores do Holocausto (que um conhecido meu recentemente
me chamou por votar em Donald Trump). Se as pessoas sob ataque não negarem
explicitamente os crimes nazistas, sua visão de “justiça social” será tão
irremediavelmente negativa que se presumirá que eles teriam endossado
entusiasticamente a Hitler. O que mais deve-se pensar de alguém que está
tentando nos empurrar de volta para a idade das trevas, quem sabe para 2008?
Paul Gottfried é “Distinguished Senior Fellow” em
Civilização Ocidental e História das Idéias no The Inter-American Institute, fundado
por Olavo de Carvalho. Passou os últimos trinta anos escrevendo livros e
gerando hostilidade entre “conservadores” aprovados pela mídia mainstream. Seu
trabalho mais recente é a sua autobiografia Encounters. Atualmente prepara um
longo estudo sobre Leo Strauss e seus discípulos para Cambridge University
Press. Suas obras vendem melhor em traduções romenas, espanholas, russas e
alemãs do que no inglês original. A tradução alemã de seu livro
‘Multiculturalism and the Politics of Guilt’ obteve um elogio do Frankfurter
Allgemeine Zeitung em 2004 como “um dos livros mais notáveis do ano”.
Publicado no The
American Thinker.
Tradução: Daiana Neumann
Revisão: Rodrigo Carmo
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