STF pode julgar em breve demanda que envolve 40
milhões de trabalhadores e 200 bilhões de reais
Não vejo esta ADI, que foi movida pelo partido Solidariedade, como algo ideal, porque acabou, ao menos em alguma medida, partidarizando uma discussão que deveria ser apartidária. Claro que a petição é um primor (na íntegra aqui), e que o ingresso inspirado da DPU como amicus curiae ajudou bastante, mas infelizmente, a meu ver, são mínimas as chances do êxito completo que todos esperam (efeitos erga omnes e ex tunc), e seu resultado selará o destino de todas as ações individuais e coletivas.
O que poderá ocorrer em breve, muito em breve, talvez ainda este ano, porque a decisão monocrática (na íntegra aqui) do Ministro Luís Roberto Barroso recebeu a ADI pelo rito sumário, nos termos do artigo 12 da Lei 9.868/99, escolha que pode não parecer relevante, mas que traz o que pode ser um perigoso mecanismo para este caso:
“Art. 12. Havendo pedido de medida cautelar, o relator, em face da relevância da matéria e de seu especial significado para a ordem social e a segurança jurídica, poderá, após a prestação das informações, no prazo de dez dias, e a manifestação do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República, sucessivamente, no prazo de cinco dias, submeter o processo diretamente ao Tribunal, que terá a faculdade de julgar definitivamente a ação.”
Não tenho nada contra a “unificação” (porque na prática é exatamente isso) de uma demanda que começou difusa, num único processo coletivo, tampouco contra a suspensão de milhares de processos individuais em andamento (sobre uma mesmíssima questão) até a definição no STJ (o que me preocupa, de verdade, é isso).
Deveria mesmo existir um mecanismo que funcionasse da forma como o que foi inventado para este caso, no qual tudo parece que será decidido diretamente nos Tribunais Superiores. Sim, inventado, porque em todos os demais casos dessa natureza, dos quais tenho conhecimento - especialmente dos planos econômicos - a solução acabou vindo em sede de recursos repetitivos específicos no STJ (e que suspendiam apenas os recursos especiais com matéria idêntica, nunca as ações individuais) e de recursos extraordinários no STF (e não através de ADI).
Penso que, se existisse uma regulamentação específica, a ação coletiva da DPU seria um mecanismo muito mais adequado (é, no mínimo, uma ótima sugestão de lege ferenda), até por garantir o duplo grau de jurisdição, e possibilitar um maior amadurecimento de tão importante matéria.
De qualquer forma, até aí tudo bem. Acho que a ADI não é mesmo o ideal, mas paciência. Só que fazer isso com pressa já é outra coisa. Sempre achei um erro o pedido de tutela antecipada nas ações individuais e coletivas, porque trata-se de uma situação que se consolidou há 14 anos, e apenas agora os trabalhadores, incentivados pela imprensa após o julgamento da ADI 4357, decidiram “cobrar a conta” (o que, em si, é muito justo).
Mas não consigo enxergar toda esta emergência. Não existe periculum in mora a meu ver (qual o grande risco de seguir o curso normal do processo, afinal?), e pedir que o STF analise a questão a toque de caixa, sem que haja um amadurecimento, me parece um risco desnecessário.
Acredito que seria muito valioso se antes do processo ser pautado outras importantes instituições ingressassem como amicus curiae. A OAB seria um sonho, não é mesmo? Quem dera a ADI tivesse sido promovida pelo competentíssimo Conselho Federal da OAB (que, inclusive, tem patrocinado muitas ADIs relevantíssimas e tido muito sucesso neste mister, e, além disso, foi quem moveu a ADI 4357, na qual apareceu o fundamental argumento para esta ação - de agressão ao direito de propriedade por falta de atualização monetária), ou até mesmo por um grande sindicato. Aliás, ouvir os grandes sindicatos, de representatividade nacional, me parece imperioso.
Quem sabe até algumas audiências públicas, para que se discutisse com a sociedade civil em que medida é realmente justo utilizar a perda do poder aquisitivo da poupança forçada do trabalhador para financiar projetos sociais, ou então quais seriam, realmente, os efeitos econômicos de uma eventual decisão de procedência.
Então a princípio tudo isso (suspensão dos processos de primeira instância pelo STJ, ADI pelo rito sumário, força tarefa do governo para “derrubar a ação”) parece muito ruim, e sinalizar um final frustrante. Mas felizmente não há a garantias disso (de uma derrota total dos trabalhadores, mesmo para o futuro), porque embora os últimos sinais não sejam muito positivos, o único Ministro do STF a se pronunciar expressamente (em entrevista) sobre o assunto disse o seguinte:
“A premissa é a mesma, porque se o Supremo proclamou que a TR não reflete a inflação do período (de 1999 a 2014) isso se aplica a outras questões jurídicas, como o Fundo de Garantia."
Além disso, tenho muita admiração e confiança no relator, o culto e renomado constitucionalista Ministro Luís Roberto Barroso, autor do melhor livro de Direito que já li (Direito Constitucional Contemporâneo) e dono de uma história de vida incrível (veja aqui uma recente e impressionante entrevista ao jornalista Mário Conti). Tenho esperança de que esta situação específica, teratológica do FGTS (muito pior do que a dos precatórios) faça com que o douto Ministro tome uma posição diferente da externada na modulação da ADI 4357 (quando, ao propor efeitos ex nunc, opinou no sentido de que não existe agressão ao direito de propriedade por falta de correção monetária).
Certo mesmo é que o entendimento do STF sujeitará todas as ações, individuais e coletivas. É até possível (e desejável a meu ver) que algum prudente Ministro peça vista do processo após a negativa da cautelar, e que antes do julgamento definitivo da ação venha este amadurecimento, mas preocupa-me sobremaneira pensar que tudo possa ser decidido numa única sessão, para análise de um pedido cautelar.
Por enquanto o quadro é o seguinte: as manifestações da Advocacia Geral da União (na íntegra aqui), a prestação de informações do Senado Federal (na íntegra aqui), já foram apresentadas (ambas opinando contrariamente), faltando apenas, pelo que se depreende da decisão monocrática, apenas a manifestação do Procurador Geral da República para que os autos estejam aptos para serem submetidos ao plenário.
E as manifestações contrárias não param por aí. Além da apresentada pela CEF (na íntegra aqui), a do Banco Central (na íntegra aqui) é de uma perfeição argumentativa que impressiona (mas não convence, porque se até 1999 era possível atualizar monetariamente os saldos e aplicar o excedente nos programas sociais, porque agora é preciso que os saldos percam seu valor real para que se realize a dupla finalidade?).
Mas nem tudo são más notícias. Vento alvissareiro, a Defensoria Pública da União, que já havia ingressado com Ação Coletiva na JFRS (recebida com abrangência nacional, veja aqui) requereu também seu ingresso como amicus curiae na ADI 5090, possibilitando, inclusive, o conhecimento do teor da inicial da ACP (na íntegra aqui).
E se a inicial da ADI é realmente primorosa, tanto a ACP quanto a manifestação da DPU na ADI (na íntegra aqui) são peças perfeitas, inspiradas, e que dão a esperança de que o trabalhador, se ainda não está em igualdade de condições nesta verdadeira zona de combate, tem sim um poderoso aliado na Defensoria Pública da União.
E que vem “cuspindo fogo” em defesa do trabalhador:
“Imaginar que a solução esteja em restringir o papel do Judiciário é assustar-se com a assombração errada.O que o país precisa é resgatar a dignidade da política, superando o descrédito da sociedade civil, particularmente em relação ao Legislativo.”
[...]
“Se práticas dessa natureza forem toleradas, quais serão os seus limites? Se hoje a lei permite que os saldos das contas vinculadas do FGTS sejam corrigidos por índice incapaz de repor as perdas inflacionárias, nada garante que amanhã a lei não poderá abolir a atualização monetária desses saldos, ou mesmo determinar que uma parcela dos valores depositados não seja repassada ao trabalhador. A desculpa para isso já está pronta: basta dizer que o FGTS foi concebido para ter dupla finalidade e que uma parte do dinheiro será aplicada no financiamento de projetos com forte apelo social.” (Manifestação da Defensoria Pública da União nos autos da ADI 5090)
A manifestação que falta pode equilibrar ainda mais a equivalência de forças, e se considerarmos que no STJ a manifestação do MP foi totalmente favorável ao trabalhador (veja aqui), há, então, um bom motivo para acreditar que o Procurador Geral também venha em socorro dos trabalhadores.
Enfim, ainda há esperança, mas não muita. Vamos aguardar.
Por Gustavo Borceda (Advogado)
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