Roque de Sá/Agência Senado |
“A cada real investido em
saneamento, são economizamos R$ 4 em saúde, e os indicadores de doenças por
falta de saneamento são derrubados", disse nesta terça-feira (9) o senador
Nelsinho Tradd (PSD-MS), ao encerrar a audiência pública realizada pela
comissão mista que analisa a Medida Provisória (MPV) 868/2018.
Vice-presidente da comissão, o senador prometeu que a comissão buscará o
equilíbrio para garantir à iniciativa privada e às empresas públicas a
possibilidade de investir para superar a "situação vergonhosa" do
saneamento no país.
O texto muda o marco legal
do saneamento básico, concentra na Agência Nacional de Águas (ANA) a
competência regulamentar do serviço, cria o Comitê Interministerial de
Saneamento Básico (CISB) para articular os investimentos e altera as formas de contratos
das empresas prestadoras de serviços.
A MP já é velha conhecida do
Congresso. Ela é uma cópia do texto da MP
844/2018, que perdeu a validade em novembro e foi reeditada no mesmo ano —
ato questionado por senadores da oposição, os quais argumentam que ela não
poderia ser reeditada no mesmo ano de arquivamento da anterior.
Conteúdo
A MP altera o marco legal do
saneamento básico e a Lei 9.984, de 2000,
para atribuir à Agência Nacional de Águas (ANA) competência para editar normas
sobre o serviço de saneamento. Também altera a Lei do Saneamento Básico (Lei 11.445,
de 2007), para, segundo o governo, aprimorar as condições estruturais do
saneamento básico no país, e a Lei 13.529,
de 2017, para autorizar a União a participar de fundo com a finalidade
exclusiva de financiar serviços técnicos especializados nessa área.
A medida propõe que a
regulamentação de águas e esgotos, que hoje é atribuição dos municípios, se
torne responsabilidade do governo federal, através da agência reguladora que
ficaria responsável pela fixação das tarifas cobradas. Já os contratos de
saneamento passariam a ser estabelecidos por meio de licitações, facilitando a
criação de parcerias público-privadas.
A Lei do Saneamento Básico,
de 2007, estabelece que a universalização dos serviços de abastecimento de água
e de tratamento de esgoto no país deve ser feita através da elaboração de um
plano municipal do setor para cada cidade. Entretanto, o índice de saneamento
básico continua muito aquém do necessário para atingir a universalização. Além
disso, há grande desigualdade no índice de cobertura de água e esgoto entre as
regiões brasileiras.
O texto determina que o
acesso aos recursos públicos federais ou à contratação de financiamentos com
recursos da União fique condicionado ao cumprimento das normas de saneamento
básico estabelecidas pela ANA. E permite que a agência requisite servidores de
órgão, autarquias e fundações públicas da administração pública federal até 1º
de agosto de 2021.
Para o senador Tasso
Jereissati (PSDB-CE), relator da medida provisória, afirmou que sua grande
virtude é colocar o assunto como prioridade na pauta do governo federal.
— Nós ainda vivemos na Idade
Média em termos de saneamento, o que é uma vergonha — disse Tasso.
Críticas
Na leitura de alguns
especialistas que debateram a MP nesta terça-feira na comissão composta por
deputados e senadores que devem proferir parecer sobre o texto, a MP peca no
quesito “universalização dos serviços”. Alguns parlamentares de oposição também
alegam que a MP abre caminho para a privatização do setor.
Representante da Federação
Nacional dos Urbanitários (FNU), Edson Aparecido da Silva afirmou que o setor
de saneamento tem como pilar fundamental o subsídio cruzado (compensação de
preços). Falando pela entidade sindical que representa os trabalhadores de
saneamento, energia e meio ambiente, Silva, que tem mestrado em Planejamento e
Gestão do Território pela Universidade Federal do ABC, disse que, caso haja
privatização, as empresas privadas estarão mais interessadas nos municípios que
tiverem menor necessidade de investimento e mais possibilidade de retorno
financeiro, com tarifas mais altas.
— Isso vai fazer os pequenos
municípios, que recebem o subsídio dos mais rentáveis, ficarem desassistidos —
afirmou.
O presidente da Associação
Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental, Roberval Tavares de Souza,
disse que a questão central da MP é que ela estaria deixando os grandes
municípios resolvidos e os pequenos “ficariam às moscas, para serem atendidos
pelos governos federal, estadual e municipal, que enfrentam déficits e não vão
conseguir investir em saneamento”.
De acordo com ele, a
fragmentação foi testada no Amazonas e no Tocantins e não deu certo.
— Não haverá universalização
sem unir o setor público ao privado. Precisamos nos preocupar é com a
eficiência, quer pública, quer privada. Não pode fragmentar, mas unir os dois.
É a carne e o osso juntos. Não adianta resolver as grandes cidades e deixar as
pequenas sem nada.
Roberval previu que no
modelo atual, a universalização dos serviços se daria em 2064. Mas, com a MP, a
universalização nunca acontecerá e a tarifa dos serviços será encarecida.
Apoio
Na opinião do Instituto
Trata Brasil, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip)
formada por empresas com interesse nos avanços do saneamento básico, a MP é
acertada.
— Apoiamos a medida
provisória. Não há como o Brasil avançar sem mais investimentos e participação
privada. Apoiamos os planos regionais, o saneamento rural, a integração dos
ministérios que tratam do saneamento, tudo previsto pela medida provisória —
afirmou Édison Carlos, presidente-executivo da OSCIP.
Ele lamentou que, embora o
Brasil esteja entre as dez maiores economias do mundo, a mortalidade infantil,
depois de muitos anos em queda, tenha voltado a subir por falta de cuidado no
saneamento. Ele disse que o Brasil passa por um “caos sanitário”.
— O Brasil investiu nos últimos
oito anos R$ 90 bilhões de reais em saneamento, mas os indicadores não saíram
do lugar. Continuamos em 83% da população com água tratada e metade do país não
tem coleta de esgoto apropriada. É vergonhoso que o Brasil construa
aviões e tecnologia de ponta em computadores, mas não tenha resolvido seus
esgotos — desabafou.
Regulação
O representante da
Associação Brasileira das Agências de Regulação (Abar), Alceu de Castro Galvão
Júnior, defendeu a MP por ter regulação “forte, atuante, autônoma e proativa,
que gere segurança jurídica aos contratos”. Ele informou que a Abar encaminhou
ao Congresso emendas que obrigam as companhias de saneamento a atenderem de
maneira diferenciada as comunidades rurais que não podem pagar tarifas
regulares. Também defendeu a instalação de redes de saneamento em assentamentos
precários (favelas e áreas irregularmente ocupadas) sem que caracterizem posse.
Pela ANA, o
superintendente-adjunto Carlos Motta concordou que uma regulação mais forte
pode contribuir, mas para ele não resolverá a universalização do sistema de
saneamento.
— Você tira o prestador da
zona de conforto para que ele faça o projeto acontecer, mas é difícil
fiscalizar — reconheceu.
Motta destacou como positivo
o fato de a MP conciliar todos os investimentos do governo federal em
saneamento numa única frente.
— Hoje os investimentos
estão divididos entre vários ministérios e acabam pulverizados, sem dar
resultados esperados.
Esse também é o ponto alto
da MP na opinião do senador Confúcio Moura (MDB-RO). Para ele, a vantagem do
texto é juntar as principais leis de regulamentam o saneamento básico e passar
tudo para a competência da ANA.
— Hoje em dia, o Ministério
das Cidades, o Ministério do Meio Ambiente, cada um tem uma competência. Levar
todo esse trabalho para a ANA define-se um ponto de referência para prefeitos e
agencias de água se reportarem — afirmou Confúcio.
Agência Senado
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