A cidade de Hasselt, na Bélgica, era um dos modelos de cidades com tarifa zero de ônibus mais mencionados pelos integrantes do Movimento Passe Livre. No entanto, em abril deste ano, após 16 anos sem cobrar tarifas de ônibus, a cidade estabeleceu uma tarifa fixa de 0,60 euros (cerca de R$1,50). O motivo declarado foi uma simples necessidade econômica: com o aumento de usuários, o custo de manutenção do sistema, passou de 967,000 euros em 1997 para 3.5 milhões de euros em 2007, insustentável para os subsídios que estavam recebendo do governo federal.
Muitos
consideram o modelo da cidade um sucesso pois teve um aumento de dez vezes no
número de usuários de ônibus. No entanto, vários outros projetos foram feitos
além da isenção da tarifa. A rede aumentou de 2 para 9 linhas, além de ter um
grande aumento na frequência dos ônibus. Corredores de ônibus foram criados
para terem vantagem sobre os carros. Todos os ônibus foram adaptados para
idosos. O anel viário que limita a região central foi reduzido, criando uma
ampla ciclovia e faixa de pedestres. 800 vagas públicas de estacionamento
na cidade foram eliminadas e as demais começaram a ser pagas. Assim, sendo o
projeto a realização de um grande plano de mobilidade, é difícil controlar as
variáveis para saber qual foi o impacto isolado da tarifa zero no aumento de
passageiros.
Logo antes
de Hasselt declarar o projeto insustentável, Tallinn, capital da Estônia,
introduziu a tarifa zero. Com apenas meio ano de uso, muitos já cantam a
vitória, declarando-o um sucesso absoluto. Alguns, ainda, como o Juan Lourenço, em postagem para o blog Papo de Homem,
defendem equivocadamente a proposta, dizendo que a medida reduzirá 12 milhões
de euros no orçamento público, enquanto este valor na verdade representa o valor necessário para o governo subsidiá-lo. A
estratégia fiscal da cidade para a implementação é praticamente uma "verba
de marketing": a cidade
pretende usar o imposto de renda dos novos moradores, que seriam atraídos
para a cidade pelo aumento da mobilidade, para subsidiar o sistema. No entanto,
novos moradores também precisam dos outros serviços públicos, que muito
possivelmente criarão problemas orçamentários no futuro. A verdade é que
ainda é muito cedo para dizer o quanto o projeto de Talinn é viável, mas uma
coisa é certa: os recursos virão de impostos.
Não
existe almoço grátis. Os recursos sempre vão ter que sair de algum lugar, e a
dificuldade de uma economia planejada é justamente saber identificar
demandas e alocar estes recursos de forma eficiente. Afinal, não podemos
esquecer das outras áreas de atuação do governo: educação, saúde, segurança,
infraestrutura, etc. Muitos alegam que se o governo simplesmente fosse mais
eficiente na sua gestão, diminuindo corrupção e regalias auto-concedidas,
o dinheiro dos impostos poderia subsidiar programas como este com sobra. Mas a
lógica de eficiência na gestão é uma do setor privado, na sua busca para
terminar a gestão com lucro. O setor público, caso faça uma gestão menos
eficiente, tem a carta coringa de aumentar impostos, simplesmente alegando que
faltam recursos para investir em uma determinada área. E caso os impostos
fiquem altos demais, com serviços públicos sendo distribuídos "de
graça", o cidadão terá incentivos para trabalhar menos ou até emigrar do país, gerando menos impostos e a consequente
quebra do ciclo.
Existe
também a alegação de que projetos governamentais como este mitigam
externalidades, economizando recursos perdidos no trânsito, tendo benefícios
com o projeto ao longo do tempo. No entanto, é uma justificativa arriscada já
que o projeto sempre estará à mercê do inesperado, com chances de falhar. Será
que o ganho chegará mesmo aos R$4,5 bilhões arrecadados atualmente com os
bilhetes? Em São Paulo, especialistas estimam que os custos gerados pelo
congestionamento giram em torno de R$7 a 8 bilhões (outros ainda estimam o
valor de R$40 bilhões), e sabemos que a tarifa zero não vai resolver o
congestionamento sozinha. Também já aprendemos que em Hasselt os benefícios
mencionados não foram unicamente devido à tarifa zero. E que consequências
sofrem os responsáveis caso elas não forem atingidas? Praticamente nenhuma.
Lembremos
que as mesmas justificativas de eficiência do planejamento centralizado foram
usadas na fracassada Brasília, que dizia ter atingido o urbanismo ideal. E
embora o sistema de concessões não funcione bem, por problemas de incentivos
parecidos, há alternativa à ambos modelos, como o sistema de transporte descentralizado e privado de Lima. Na capital peruana 80% da população anda de transporte
coletivo, com amplo acesso às periferias e com tarifas equivalentes à R$0,75.
Lá, a concorrência entre os atores gera tais incentivos para tal eficiência.
Impostos diretos para este sistema nem mesmo são necessários, já que o governo
cria apenas a plataforma legal e física (as ruas e calçadas) para que ele
funcione. E ao exercer o poder do consumidor de apenas escolher o melhor
serviço, ou a atitude empreendedora de criar alternativas às existentes,
manifestações públicas se tornam desnecessárias.
Ontem à
tarde, em São Paulo [N. E.: o texto foi publicado originalmente em 20.6.13],
o Prefeito Fernando Haddad e o Governador Geraldo Alckmin anunciaram a redução das tarifas de R$3,20 para o valor
anterior, de R$3,00. Alguns manifestantes do Movimento Passe Livre entraram em prantos de felicidade com a notícia. A grande
manifestação de hoje será substituída por uma grande festa, embora o modelo
de concessões, criticado pelo grupo, permanece. O plano financeiro
do estado para viabilizar a manobra será de zerar as alíquotas do ICMS e do ISS
das empresas de transporte, que continuarão recebendo subsídios e
repassarão estes incentivos às tarifas. No entanto, esta diminuição na
arrecadação impactará outras pontas do orçamento público, e nada indica que
este impacto será no sentido de diminuir a corrupção e tornar o governo mais
eficiente. O projeto está agora nas mãos do senador Lindbergh Farias, o
mesmo que teve sigilo bancário quebrado por transações suspeitas que chegam a
R$ 300 milhões, da época em que era Prefeito de Nova Iguaçu. E todos estão
comemorando.
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