Música e Dança: a Liturgia do Movimento
Se a escultura petrificava a cosmologia, a música (cuīcatl) e a dança (miztli) conferiam‑lhe
fôlego. As escolas de artes rituais (cuicacalli) preparavam sacerdotes‑cantores
que memorizavam hinos divinos para cerimônias agrícolas, coroações ou rituais
de guerra (Katz, 1997).
Instrumentos como o huehuetl (tambores verticais) e as trombetas de
concha evocavam vozes de deuses aquáticos, enquanto flautas de argila
afinadas em quartas reforçavam a relação numérica sagrada entre som e cosmos.
A coreografia reproduzia mitos fundacionais: na Festa de Panquetzaliztli,
dançarinos vestidos de colibris encenavam o nascimento de Huitzilopochtli,
transformando a praça do Templo Mayor num palco cosmogônico. O suor colectivo
era considerado oferenda: “dançar é queimar o corpo para que o Sol não se
apague” (Sahagún, Florentine Codex, VI).
Tecelagem, Plumas e Pedrarias: Vestir o Divino
A arte têxtil asteca, embora perecível, era uma das
formas mais sofisticadas de riqueza. Tecidos de algodão fino recebiam tinturas
extraídas de insetos (cochonilha), obtendo vermelhos destinados à
nobreza. Já as capas de penas (ahuítzotl) utilizavam o iridescente verde‑azulado
do quetzal, pássaro associado a Quetzalcóatl.
- Oficinas
Reais de Amantla: controlavam tributos de plumas e distribuíam
vestimentas cerimoniais a governantes aliados.
- Simbolismo
cromático: o azul‑turquesa em mosaico de pedra (como na máscara de
Xiuhtecuhtli) indicava fogo solar transformado em mineral, uma “chama
petrificada” (Pasztory, 2005).
Esses trajes não eram apenas ornamentos: a
indumentária convertia o corpo humano em suporte ritual, “encarnando” as
forças divinas perante a comunidade.
Códices Pictográficos: Memória, Política e Resistência
Além das obras lapidares, códices sobre papel de amatl
ou pele de veado funcionavam como arquivos dinásticos e mapas de tributos. Após
1521, missionários queimaram inúmeros volumes; contudo, códices como o Codex
Borbonicus e o Mendoza revelam como os próprios tlacuilos (escribas‑pintores)
adaptaram padrões iconográficos para dialogar com autoridades coloniais,
preservando topônimos, genealogias e práticas fiscais sob novos alfabetos
(Boone, 2000).
Confluências Pós‑Conquista: Sincretismos em Pedra e Tinta
Em mosteiros franciscanos do vale do Anáhuac, motivos nahuas
— serpentes emplumadas, flores de tzompantli — ressurgiram discretamente
em frisos de claustros e retábulos. Essa “dupla leitura” permitia aos indígenas
reconhecer antigas divindades sob a capa de santos, enquanto frades utilizavam
a familiar iconografia para catequizar (Bargellini, 2010). Assim, a arte asteca não desapareceu: transmutou‑se, articulando novas
gramáticas híbridas que ainda hoje se desvelam nos muros das capelas posas.
Considerações Finais
Ao ampliar nossa lente para música, dança, tecelagem e
códices, torna‑se evidente que a arte asteca era um sistema multissensorial
de comunicação religiosa e política. Som, cor, movimento e texto integravam‑se
numa pedagogia do sagrado que atravessava o cotidiano, legitimava hierarquias e
forjava identidades. Mesmo sob a imposição colonial, essas linguagens
resistiram — ora camufladas, ora recicladas —, continuando a narrar a
cosmovisão nahua em paletas sincréticas que desafiam leituras simplistas de
“extinção cultural”.
Referências Bibliográficas
- Bargellini,
C. (2010). “Indigenous Motifs in Early Colonial Monastic Art of Central
Mexico.” Journal of Latin American Art, 12(2).
- Boone,
E. H. (2000). Stories in Red and Black: Pictorial Histories of the
Aztecs and Mixtecs. University of Texas Press.
- Katz,
F. (1997). The Ancient American World of Music. Mexico City: INAH.
- Pasztory,
E. (2005). Aztec Art. University of Oklahoma Press.
- Sahagún,
B. de. (ca. 1577). Historia
General de las Cosas de Nueva España (Florentine Codex).
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