Radio Evangélica

terça-feira, 1 de julho de 2025

Manuel Ferreira de Araújo Guimarães: o Primeiro Jornalista Profissional do Brasil

Largo do Rossio, atual Praça Tiradentes, com vista da casa do brigadeiro Manuel Ferreira e o Pelourinho (Foto: Acervo Biblioteca Nacional)

Antes mesmo de a imprensa brasileira consolidar-se como quarto poder, um baiano nascido em Salvador, em 1777, já vislumbrava o potencial social e político dos periódicos. Manuel Ferreira de Araújo Guimarães — militar, professor de astronomia e matemática, tradutor e, sobretudo, jornalista — transformou a folha impressa num espaço de circulação de ideias em plena era joanina. Considerado por muitos historiadores o primeiro jornalista profissional do país, ele editou títulos pioneiros como Gazeta do Rio de Janeiro, O Patriota e O Espelho, deixando marcas na luta pela independência e na formação da opinião pública.

Formação e Carreira Militar

Filho de uma família tradicional, Araújo Guimarães estudou matemática na Academia Real da Marinha, em Lisboa, e trabalhou no Observatório Real. Ainda na Europa, aprofundou-se em astronomia — saber que o acompanharia nas cátedras que viria a ocupar no Brasil. Em 1805 regressou a Salvador e, com a transferência da corte portuguesa para o Rio (1808), tomou posse como professor na recém-criada Academia Real Militar, sendo depois promovido a coronel (1823) e brigadier (1828).

A Gazeta do Rio de Janeiro (1808–1821)

Primeiro jornal impresso em solo brasileiro, a Gazeta nasceu como órgão oficial da Coroa de d. João VI. Araújo Guimarães atuou como redator-chefe, negociando a difícil tarefa de noticiar guerras napoleônicas, decretos régios e vida da corte sem ferir a rígida censura. Seu estilo direto, porém culto, distinguiu-se do tom laudatório comum aos “jornais da Impressão Régia”.

O Patriota (1813–1814): literatura, política e ciência

Em 1813 ele fundou o mensal O Patriota: Jornal Litterario, Politico, Mercantil — primeiro periódico a circular fora do estrito controle governamental. Editado na Impressão Régia, trazia ensaios de economia, poesia e traduções de autores franceses, além de discussões sobre comércio atlântico e reformas ilustradas. A coleção completa encontra-se digitalizada na Biblioteca Brasiliana.

O Espelho (1821–1823): tribuna da Independência

Com o avanço das Cortes portuguesas e o clamor por autonomia, Araújo Guimarães lança O Espelho, tabloide que se tornaria “sustentáculo da causa brasileira”. O periódico defendia o governo provisório da Bahia, comentava os embates de d. Pedro com Lisboa e divulgava proclamações patrióticas; também polemizava com o Semanário Cívico, outro impresso liberal. Pesquisas recentes destacam como o redator articulou uma opinião pública ilustrada ao filtrar eventos europeus e adaptá-los às demandas locais.

Atuação Política e Últimos Anos

Eleito deputado provincial (1823), Araújo Guimarães defendeu a participação das províncias na formação do novo Estado brasileiro. Nos anos 1830, viu-se às voltas com o drama familiar: seu filho Inocêncio Eustáquio, envolvido na Sabinada (revolta separatista da Bahia, 1837–1838), foi condenado à morte. Desgostoso, Manuel faleceu em 24 de outubro de 1838, sem ver o filho anistiado anos depois.

Legado

• Pioneirismo jornalístico: introduziu práticas profissionais — periodicidade regular, seção de anúncios e mix de temas — que pautariam a imprensa oitocentista.
• Divulgação científica: traduziu tratados de matemática e astronomia, em consonância com os ideais ilustrados de utilidade pública.
• Formação da esfera pública: seus jornais mediaram debates sobre Constituição, comércio e identidade nacional, lançando bases para um jornalismo de opinião crítico.
• Modelo de intelectual-militar: articulou saberes técnico-científicos e engajamento cívico, típico de oficiais ilustrados do Primeiro Reinado.

Referências Bibliográficas

·        SILVA, Maria Beatriz Nizza da. A Gazeta do Rio de Janeiro (1808‑1822): cultura e sociedade. Rio de Janeiro: Eduerj, 2007.

·        MEIRELLES, Juliana Gesuelli. “O Espelho e a Formação da Opinião Pública: a atuação de Manuel Ferreira de Araújo Guimarães (1821‑1822).” Estudos Ibero-Americanos, v. 48, 2022.

·        ARAÚJO GUIMARÃES, Manuel F. de. O Patriota (edicões de 1813‑1814). Impressão Régia; digitalização BBM-USP.

·        NASCIMENTO, Ana Paula. “Imprensa e Poder na Corte Joanina: o papel de Araújo Guimarães.” Revista de História, n. 174, 2016.

·        BIBLIOTECA NACIONAL. “Gazeta do Rio de Janeiro – bicentenário.” Artigo institucional, 2018.

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