Radio Evangélica

domingo, 29 de junho de 2025

O Egito sob os Califados Islâmicos: Dinâmicas de Poder, Religião e Cultura

A Era Omeíada (661–750): Consolidação do Domínio Islâmico

Após a conquista muçulmana, o Egito passou a fazer parte do califado omeíada, cuja capital situava-se em Damasco. A administração foi inicialmente tolerante com a maioria cristã copta, que formava a base produtiva do país. Em troca da jizya (imposto per capita) e da kharaj (imposto fundiário), os cristãos mantinham certa autonomia religiosa, especialmente sob o comando de líderes eclesiásticos locais.

Contudo, a gradual arabização e islamização do aparelho estatal e da elite urbana começou a alterar o tecido social egípcio. O árabe tornou-se o idioma oficial da administração em 706, substituindo o grego e o copta em documentos públicos. Esse processo linguístico foi um dos vetores da transformação cultural mais profundas, preparando o terreno para a expansão do Islã entre os egípcios.

O Egito Abássida (750–868; 905–969): Centralização e Descentralização

Com a ascensão dos abássidas, que transferiram a capital para Bagdá, o Egito passou a integrar um império ainda mais vasto, governado por uma elite de origem persa e oriental. Inicialmente, os califas abássidas tentaram centralizar a administração, nomeando governadores (walis) enviados de Bagdá, que supervisionavam arrecadações e mantinham a ordem.

No entanto, a distância e a complexidade do território egípcio levaram à crescente autonomia local. Tribos árabes, oficiais militares e até burocratas de origem copta começaram a exercer funções administrativas com relativa independência. Foi nesse contexto que surgiu a dinastia tulúnida (868–905), considerada o primeiro regime autônomo muçulmano do Egito, embora ainda nominalmente subordinado aos abássidas.

Sob os tulúnidas, o Egito experimentou estabilidade, desenvolvimento urbano e grandes projetos arquitetônicos. A construção da mesquita de Ibn Tulun, em Fustat, ilustra o florescimento cultural e artístico do período.

O Califado Fatímida (969–1171): O Xismo Ismaelita e a Fundação do Cairo

Em 969, uma nova força islâmica conquistou o Egito: os fatímidas, de origem berbere e seguidores do ramo xiita ismaelita. Com a fundação da cidade do Cairo (al-Qāhira), transformaram-na na capital do seu califado rival ao abássida. A dinastia fatímida transformou o Egito em um dos centros mais sofisticados do mundo islâmico medieval.

Diferentemente dos califados anteriores, os fatímidas implantaram uma teocracia xiita, organizando a sociedade em torno da figura do imã-califa, considerado infalível e legítimo sucessor de Ali. Essa política levou a tensões com a maioria sunita e com os cristãos coptas, embora os fatímidas fossem, em muitos momentos, mais tolerantes do que se supõe. O Egito tornou-se polo de conhecimento, comércio e intercâmbio cultural com o Mediterrâneo e o Oriente.

Durante esse período, o Cairo viu a construção de mesquitas monumentais, palácios, escolas e bibliotecas. A Casa do Saber (Dār al-ʿIlm), fundada em 1005, é um símbolo do apogeu intelectual da era fatímida.

Interações Religiosas e Transformações Sociais

Ao longo dessas dinastias, o Egito passou por uma islamização progressiva, mas não total. A Igreja Copta continuou existindo, embora em condições difíceis, oscilando entre tolerância e repressão conforme o humor político e as finanças do Estado. Cristãos ainda ocupavam postos administrativos e eram essenciais para a manutenção da estrutura fiscal do país.

Mesmo sob dominação islâmica, muitas tradições egípcias antigas persistiram disfarçadas em práticas religiosas populares, festivais e costumes sociais. A mistura entre elementos islâmicos, cristãos e resquícios faraônicos gerou uma identidade complexa e multifacetada.

Conclusão: Um Egito em Transformação Contínua

O domínio dos califados islâmicos sobre o Egito não significou homogeneização cultural ou ruptura abrupta com o passado. Pelo contrário, o Egito reafirmou-se como terra de encontros, sínteses e reinterpretações. A fusão entre tradições antigas e novas crenças, línguas e sistemas políticos moldou um legado duradouro, cuja influência se estende até os dias atuais.

 

Referências Bibliográficas

  • Bloom, Jonathan M., and Sheila Blair. Islam: A Thousand Years of Faith and Power. Yale University Press, 2002.
  • Brett, Michael. The Rise of the Fatimids: The World of the Mediterranean and the Middle East in the Fourth Century of the Hijra. Brill, 2001.
  • Lapidus, Ira M. A History of Islamic Societies. Cambridge University Press, 2002.
  • Raymond, André. Cairo: City of History. American University in Cairo Press, 2001.
  • Sanders, Paula. Ritual, Politics, and the City in Fatimid Cairo. State University of New York Press, 1994.

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