A Era Omeíada (661–750): Consolidação do Domínio Islâmico
Após a conquista muçulmana, o Egito passou a fazer parte do
califado omeíada, cuja capital situava-se em Damasco. A administração foi
inicialmente tolerante com a maioria cristã copta, que formava a base produtiva
do país. Em troca da jizya (imposto per capita) e da kharaj
(imposto fundiário), os cristãos mantinham certa autonomia religiosa,
especialmente sob o comando de líderes eclesiásticos locais.
Contudo, a gradual arabização e islamização do
aparelho estatal e da elite urbana começou a alterar o tecido social egípcio. O
árabe tornou-se o idioma oficial da administração em 706, substituindo o grego
e o copta em documentos públicos. Esse processo linguístico foi um dos vetores
da transformação cultural mais profundas, preparando o terreno para a expansão
do Islã entre os egípcios.
O Egito Abássida (750–868; 905–969): Centralização e
Descentralização
Com a ascensão dos abássidas, que transferiram a capital
para Bagdá, o Egito passou a integrar um império ainda mais vasto, governado
por uma elite de origem persa e oriental. Inicialmente, os califas abássidas
tentaram centralizar a administração, nomeando governadores (walis) enviados de
Bagdá, que supervisionavam arrecadações e mantinham a ordem.
No entanto, a distância e a complexidade do território
egípcio levaram à crescente autonomia local. Tribos árabes, oficiais militares
e até burocratas de origem copta começaram a exercer funções administrativas
com relativa independência. Foi nesse contexto que surgiu a dinastia
tulúnida (868–905), considerada o primeiro regime autônomo muçulmano do
Egito, embora ainda nominalmente subordinado aos abássidas.
Sob os tulúnidas, o Egito experimentou estabilidade,
desenvolvimento urbano e grandes projetos arquitetônicos. A construção da
mesquita de Ibn Tulun, em Fustat, ilustra o florescimento cultural e artístico
do período.
O Califado Fatímida (969–1171): O Xismo Ismaelita e a
Fundação do Cairo
Em 969, uma nova força islâmica conquistou o Egito: os
fatímidas, de origem berbere e seguidores do ramo xiita ismaelita. Com a
fundação da cidade do Cairo (al-Qāhira), transformaram-na na capital do
seu califado rival ao abássida. A dinastia fatímida transformou o Egito em um
dos centros mais sofisticados do mundo islâmico medieval.
Diferentemente dos califados anteriores, os fatímidas
implantaram uma teocracia xiita, organizando a sociedade em torno da figura do
imã-califa, considerado infalível e legítimo sucessor de Ali. Essa política
levou a tensões com a maioria sunita e com os cristãos coptas, embora os
fatímidas fossem, em muitos momentos, mais tolerantes do que se supõe. O Egito
tornou-se polo de conhecimento, comércio e intercâmbio cultural com o
Mediterrâneo e o Oriente.
Durante esse período, o Cairo viu a construção de mesquitas
monumentais, palácios, escolas e bibliotecas. A Casa do Saber (Dār al-ʿIlm), fundada em 1005, é um
símbolo do apogeu intelectual da era fatímida.
Interações Religiosas e Transformações Sociais
Ao longo dessas dinastias, o Egito passou por uma
islamização progressiva, mas não total. A Igreja Copta continuou existindo,
embora em condições difíceis, oscilando entre tolerância e repressão conforme o
humor político e as finanças do Estado. Cristãos ainda ocupavam postos
administrativos e eram essenciais para a manutenção da estrutura fiscal do
país.
Mesmo sob dominação islâmica, muitas tradições egípcias
antigas persistiram disfarçadas em práticas religiosas populares, festivais e
costumes sociais. A mistura entre elementos islâmicos, cristãos e resquícios
faraônicos gerou uma identidade complexa e multifacetada.
Conclusão: Um Egito em Transformação Contínua
O domínio dos califados islâmicos sobre o Egito não
significou homogeneização cultural ou ruptura abrupta com o passado. Pelo
contrário, o Egito reafirmou-se como terra de encontros, sínteses e
reinterpretações. A fusão entre tradições antigas e novas crenças, línguas e
sistemas políticos moldou um legado duradouro, cuja influência se estende até
os dias atuais.
Referências Bibliográficas
- Bloom,
Jonathan M., and Sheila Blair. Islam: A Thousand Years of Faith and
Power. Yale University Press, 2002.
- Brett,
Michael. The Rise of the Fatimids: The World of the Mediterranean and
the Middle East in the Fourth Century of the Hijra. Brill, 2001.
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2002.
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2001.
- Sanders,
Paula. Ritual, Politics, and the City in Fatimid Cairo. State
University of New York Press, 1994.
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